Título: Fuga de investidor japonês preocupa
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini; Pinto, Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2011, Finanças, p. C1
O terremoto, seguido de tsunami e crise nuclear, no Japão vai impactar o fluxo de recursos ao Brasil e pode provocar no primeiro momento uma desvalorização do real, segundo especialistas ouvidos pelo Valor. Mas, no médio prazo, o quadro pode ser inverso. Como as dimensões do movimento ainda são incertas, o mercado acredita que o governo vá adiar quaisquer medidas que poderia vir a adotar no câmbio.
Os investidores pessoa física do Japão vinham sendo grandes compradores de títulos de renda fixa em reais em 2010, atraídos pelos juros altos no Brasil comparados com a taxa quase zerada no Japão. Também compraram ações brasileiras. Os bancos calculam que o estoque de investimentos de carteira dos japoneses em ativos brasileiros seja de US$ 70 bilhões a US$ 80 bilhões.
O perigo vislumbrado pelo mercado é que os japoneses comecem a resgatar investimentos para comprar produtos e reconstruir suas vidas, o que provocaria saída de recursos e pressionaria as cotações do real. Por enquanto, esse movimento não começou. Mas os fundos especulativos, procurando se antecipar a ele, saíram vendendo reais e o dólar chegou a subir mais de 1% pela manhã. No final do dia, com os temores de uma escalada na crise nuclear ao menos momentaneamente mais controlados, a moeda americana terminou a R$ 1,667, com uma valorização de apenas 0,3%.
Os investidores locais, também estimulados por dados positivos da atividade econômica no Brasil, venderam títulos do Tesouro, com os preços caindo e os rendimento, que se movem no sentido contrário, subindo. O movimento foi mais claro no título prefixado de vencimento em janeiro de 2017, as Notas do Tesouro Nacional da série F, cuja taxa disparou, saindo de 12,42% ao ano anteontem para 12,53% ontem. Para o tesoureiro do banco Modal, Luiz Eduardo Portella, "o mercado amplia os prêmios exigidos nos prazos longos porque vê risco de saída dos investidores japoneses do país".
Conta a favor de uma menor desvalorização do real o fato de o investidor pessoa física mexer menos nos seus investimentos do que os fundos especulativos. As saídas, se acontecerem, tendem a ser em pequenos valores e uma de cada vez, e não em blocos de grandes volumes financeiros como seria com os grandes investidores institucionais. Ontem, o leilão de Notas do Tesouro Nacional da séria B, papéis indexados à inflação, transcorreu normalmente, sem estresse, com vendas totais de R$ 3,9 bilhões.
Para Thomaz Cozzi Callado, analista do Goldman Sachs, os investidores japoneses só vão sair dos seus investimentos em reais seguindo o movimento dos grandes fundos e bancos do mundo todo, ou seja, se um movimento de aversão ao risco ou reposição de perdas tomar conta dos mercados internacionais. Esse movimento não parece provável hoje se os vazamentos de radiação no Japão, da usina de Fukushima, se mantiverem controlados nos níveis atuais.
"No médio prazo, os desenvolvimentos no Japão podem significar, antes de mais nada, taxas de juros reais mais baixas no Japão por mais longo tempo e um iene mais fraco, o que poderia ampliar a demanda dos japoneses por investimentos de maior rendimento", afirma.
Junya Tanase, do J.P. Morgan, concorda que o excesso de liquidez no mercado em ienes e dólares vai continuar, ajudando a fortalecer o real. Mas frisa que o risco de venda súbita de papéis pelos japoneses continua a ser um dos principais para o Brasil.
"Se a questão nuclear não se agravar, haverá uma queda apenas temporária desse fluxo japonês", afirma o estrategista da Nomura Securities, Tony Volpon. Já há sinais de desaceleração do fluxo de capital japonês para o Brasil desde a segunda elevação da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras sobre capital estrangeiro, em outubro.
Uma eventual saída de recursos dos japoneses aplicados em ativos brasileiros pode ter como consequência uma desvalorização cambial no curto prazo, diz o economista. Mas, num segundo momento, o quadro pode até ser de fortalecimento do real. "Se a deterioração parar por aqui, então é provável que a reconstrução das cidades do Japão gere uma forte demanda por commodities, o que beneficiaria o real", afirma. "Mas tudo isso só vale se os terremotos pararem e se o problema nuclear não avançar", enfatiza. Ontem, os preços das commodities despencaram.
"Por enquanto, o impacto maior está no mercado de ações, pois o Japão é parte importante da cadeia produtiva mundial e a crise energética no país vai reduzir de forma determinante sua produção", diz Alexei Remizov, do HSBC. Para o segundo semestre, a reconstrução do Japão deverá elevar os preços de energia e commodities metálicas, como alertam os economistas Monica Baumgarten de Bolle, da Galanto Consultoria, e Bráulio Borges, da LCA Consultores. "Quando os motores da indústria japonesa voltarem a funcionar plenamente, será difícil ignorar o peso da terceira maior economia do mundo", diz Monica.
Ela entende que a demanda por energia pode trazer impulso inflacionário. Pode ficar mais distante, segundo analistas, a possibilidade de o Banco Central reavaliar a política monetária, dando mais peso às medidas de contenção do crédito.