Título: Tragédia no Japão é mais um golpe na recuperação mundial
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Fonte: Valor Econômico, 17/03/2011, Internacional, p. A12

Destruição em massa, mais de 4 mil mortos, número que sobe a cada dia e uma ameaça real de um pavoroso desastre nuclear colocaram o Japão, a terceira economia mundial, diante de enormes desafios para sua sobrevivência. Além da catástrofe humana, a máquina produtiva japonesa foi danificada em um momento em que novos riscos para a recuperação mundial, ainda não claramente consolidada, voltaram a se acumular no horizonte. É difícil distinguir com clareza as consequências da tragédia japonesa para a economia e mercados globais enquanto não se conseguir afastar o risco do mal maior: um grande vazamento de radiação nuclear. Foi esse cenário extremo que os mercados captaram anteontem, com um pânico que se espalhou desde as companhias estrangeiras sediadas no Japão e companhias aéreas do exterior até os japoneses, que correram para estocar comida aos primeiros sinais de aumento de radiação em Tóquio, uma megalópole com 32 milhões de habitantes.

Os impactos mais imediatos e fortes foram sentidos nos países vizinhos, com os quais o Japão forma uma zona econômica bastante integrada, em uma divisão produtiva peculiar, em que predominam suas relações com a China e a Coreia do Sul. O bloco de economias asiáticas tem aproximadamente a metade de sua corrente de comércio proveniente dos países que o integram. Essa rede produtiva sofrerá um baque inicial importante com a paralisação de parte relevante da produção japonesa por falta de energia, especialmente porque, com alta produtividade e economia de custos, opera com baixos estoques. O Japão detém 13,9% das exportações mundiais de automóveis e peças e 10,7% das componentes de informática. Máquinas, especialmente elétricas, aço, produtos químicos e bens manufaturados compõem os US$ 450 bilhões que o país vende a países asiáticos, inclusive China, segundo o "The Wall Street Journal".

A tragédia japonesa deverá colaborar, assim, para um desaquecimento das economias asiáticas que já vinha sendo perseguido pelos governos da região desde que o aumento da inflação deu sinais de que o ritmo de produção atingiu níveis excessivos. Coreia do Sul, Índia e China já fizeram várias rodadas de elevação de juros, até agora sem muito sucesso, porque a taxa real de juros ainda é baixa ou negativa. A interrupção no suprimento de componentes pode ajudar a tirar no curto prazo um pouco do dinamismo desses países. Estimativas ainda preliminares indicam que a produção de automóveis e autopeças no Japão não deve se normalizar antes da metade de abril. Pelo menos até que o perigo de vazamento nuclear em grande escala esteja contornado, em primeiro lugar, e, depois, o suprimento de energia seja restabelecido, as linhas de produção funcionarão precariamente. As principais montadoras japonesas jogaram para a semana que vem a possibilidade de colocar a maior parte de suas fábricas em ação.

Quanto aos componentes, a situação é igualmente delicada. No Japão são produzidos 30% das memórias flash, para câmeras eletrônicas e smartphones, e 15% da memória D-Ram, para PCs, de todo o mundo ("Financial Times", 15 de março). As fábricas da Texas Instruments tiveram baixas importantes e o retorno da produção de Panasonic, Fujitsu, Renesas, Hitachi, Sony e Nec deve demorar algum tempo ainda.

Igualmente forte é o peso do Japão como consumidor de matérias-primas - o maior importador de milho do mundo, o terceiro maior de soja e o quinto do trigo. Suas siderúrgicas compram 13% de todo o minério de ferro vendido no mundo. Os efeitos do desastre sobre o preço das commodities vão em direções diferentes. Com a energia nuclear avariada, a dependência por petróleo aumentará, ajudando a elevar as cotações mundiais já pressionadas pelos conflitos na Líbia e no Oriente Médio. O impacto sobre as commodities agrícolas, porém, deve ter fôlego curto, mais por problemas de logística causados por uma infraestrutura danificada do que pelos de demanda. Mas as commodities agrícolas já sinalizavam um arrefecimento das cotações, que deve se consolidar ao longo do segundo semestre. Já as matérias-primas minerais e metálicas terão um estímulo adicional do Japão à baixa, ao qual se somará a desaceleração das economias asiáticas. A frágil recuperação da economia mundial deverá ser mais lenta e acidentada depois que a terra tremeu com intensidade raras vezes vista e o mar avançou sobre o nordeste do Japão.