Título: Exclusividade no consignado: uma violação constitucional
Autor: Jr, Cassio M. C. Penteado
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2011, Opinião, p. A14

Em janeiro passado, o Banco Central (BC) colocou um ponto final na discussão sobre a eventual possibilidade da celebração de contratos de exclusividade para concessão do crédito consignado. A medida, oficializada por meio da Circular 3.522, de 14 de janeiro, determina que um banco está proibido de celebrar quaisquer convênios ou acordos "que impeçam ou restrinjam o acesso de clientes a operações de crédito ofertadas por outras instituições, inclusive aquelas com consignação em folha de pagamento".

Nesse sentido, o BC afirma que sempre foi estritamente vedado que a instituição financeira impeça ou restrinja a livre escolha do tomador de crédito. Ou seja, não se trata de um normativo que crie um efeito novo para o futuro com base no princípio constitucional da irretroatividade das leis, já que esse direcionamento não surgiu com o normativo, entretanto representa uma determinação constante da autoridade monetária. É bom ressaltar que ele sempre existiu. Esse raciocínio fica claro no trecho da declaração do BC quando diz que o banco "está proibido de impedir o acesso de clientes a operações de crédito", criando uma espécie de "reserva de mercado".

Nesse sentido, se a administração da folha de pagamento de um órgão público por um banco não aprisiona o servidor público a essa determinada instituição financeira, pois pelo sistema de portabilidade consagrado pelo Banco Central, é possível transferir os recursos de sua conta corrente para onde ele desejar, muito diferente é a situação de um empréstimo consignado, cerceado pelo vínculo da exclusividade, porque o princípio maior da portabilidade deixa de existir, na medida em que o servidor não pode contratar empréstimo consignado com qualquer outro banco.

Como salienta o advogado Rafael Buzzo Mattos, que escreveu sobre a exclusividade do crédito consignado, "apesar da existência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), cujo papel é controlar e, sobretudo, reprimir condutas que atentem contra a ordem econômica, compete ao Banco Central regular e fiscalizar as questões relativas ao Sistema Financeiro Nacional (SFN) devido às especificidades desse ambiente. Os bancos múltiplos, por exemplo, constituem um pequeno oligopólio que, sob esse aspecto, comporta-se como forma de blindagem a um possível risco sistêmico. Já que a atuação inadequada de um player pode implicar em prejuízos imensuráveis à ordem econômica". E prossegue o autor para dizer que, sem embargo, "dessas peculiaridades, a regulação do BC sobre as atividades bancárias no país deve, antes, prestigiar os princípios constitucionais da livre concorrência e da liberdade de escolha. O artigo 192 da Constituição Federal é categórico ao determinar que o Sistema Financeiro Nacional deverá ser estruturado sobretudo para servir aos interesses da coletividade. Além disso, o princípio da livre concorrência, previsto no artigo 170 da Carta Magna, traduz-se na busca do bem-estar social, na medida em que a competitividade proporciona um ambiente de disputa favorável aos interesses do consumidor".

Portanto, a norma regulamentar do BC, se posiciona em favor da ordem constitucional, prevenindo expedientes, como os de impor obstáculos à tomada do crédito, em prol do interesse da coletividade.

Outras considerações destacadas por Mattos afirmam que "os convênios entre os entes públicos e bancos que restringem o acesso ao crédito consignado, além de cercearem os servidores públicos do direito de optarem pela melhor taxa de juros, ferem o caráter social que o sistema financeiro deve preservar". E complementa: "A Lei 8.137/90 é ainda mais incisiva, pois tipifica como crime contra a ordem econômica esse tipo de abuso de poder, com o domínio de mercado ou eliminação total ou parcial da concorrência". Por fim, compactuamos da mesma opinião, quando Mattos também destaca: "Na medida em que princípios constitucionais constituem a premissa angular da Circular 3.522, seu texto não se presta a constituir uma nova situação jurídica, mas, antes, a sedimentar a ordem jurídica já estabelecida".

Finalmente, em termos do "equilíbrio econômico-financeiro" dos contratos de cessão onerosa da folha de pagamentos de entidades públicas, convém realçar alguns pontos relevantes. Primeiro, a receita oriunda das operações de crédito consignado são consideradas marginais, como mostra e conclui estudo preparado pela consultoria MCM Consultores, porque as receitas principais advêm dos diversos produtos e operações bancárias vinculadas à folha de pagamento.

Segundo, como decorrência, o cessionário da folha pouco ou nada perderá se abrir mão da exclusividade do crédito. Terceiro, o ente público também não será prejudicado. Se for o caso, ele poderá negociar a administração da folha com qualquer outra instituição financeira (e são tantas as interessadas) em situação vantajosa ainda que sem conferir a inconstitucional e ilegal exclusividade na concessão de crédito. E, em quarto lugar, não é verdade que o custo de administração do crédito consignado em relação ao ente público seria menor em face de uma única instituição financeira concedente do crédito, porque os lançamentos das parcelas da consignação a débito da conta do servidor decorrem de sistema automatizado, cujo custo não varia em função da quantidade de bancos que fazem os contratos de mútuo. E, além disso, tais custos oneram - diretamente- as instituições concedentes e não o ente público, detentor do sistema ou que firmou convênio com terceiros.