Título: Crise no Japão tira racionalidade do capital
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2011, Finanças, p. C2
Investidores rápidos no gatilho comandam os mercados locais e externos conforme cresce a preocupação com a crise nuclear enfrentada pelo Japão.
O pregão da quarta-feira foi exemplo claro disso. O tom negativo se aprofundava a cada notícia envolvendo os reatores da usina de Fukushima.
Pela manhã, a correria nas mesas de operação foi patrocinada pelo Comissário de Energia da União Europeia, Guenther Oettinger, que disse que "nas próximas horas poderiam ocorrer eventos catastróficos".
Conforme a notícia piscou nos monitores dos investidores, as ordens de venda se acentuaram nas bolsas e as ordens de compra de dólar subiram nos mercados de câmbio.
Já à tarde movimento igual a esse foi estimulado pela recomendação do governo americano para seus cidadãos se afastarem ainda mais da usina nuclear de Fukushima. O raio foi ampliado de 50 km para 80 km.
Foi à tarde que o Dow Jones marcou as mínimas do dia e, por aqui, o dólar comercial registrou as máximas. Após cada evento desses, o mercado "voltava à normalidade".
Um sintoma desse "bate e assopra" foi o VIX, índice de volatilidade visto como termômetro do medo do mercado, que chegou a disparar mais de 28% no dia, antes de fechar com alta de 20,9%, aos 29,4 pontos, maior patamar desde julho do ano passado.
Esse mercado rápido é indicação clara de que ninguém sabe quais serão os efeitos secundários de toda essa catástrofe que colocou a terceira maior economia no mundo próxima do colapso. A sequência de eventos ocorridos no Japão provoca um grau de incerteza que coloca à prova toda a "racionalidade" do capital.
Os agentes não conseguem enxergar os próximos dias, mas mantêm a percepção de que em horizontes mais dilatados há possibilidade de melhora, já que a economia japonesa terá de ser reconstruída.
O ponto é que até esse "otimismo de longo prazo" passa a esbarrar na crise nuclear, pois, dependendo do desfecho dos vazamentos e áreas contaminadas, parte do território ficaria inabitável.
Um desdobramento que toma corpo é o questionamento da matriz energética nuclear. São crescentes as notícias de que países vão adiar a construção de novas usinas e rever as unidades já em funcionamento.
Uma onda contra energia nuclear somaria ainda mais incerteza à economia mundial, pois essa matriz é vital para alguns países e não há "bem substituto" disponível no curto prazo.
Voltando o foco ao mercado doméstico, a parcial sobre o fluxo cambial voltou a surpreender os investidores.
No acumulado de março até o dia 11, ou sete dias úteis, o saldo estava positivo em US$ 7,429 bilhões. Montante superior a todo o saldo de fevereiro, de US$ 7,419 bilhões. Apenas na semana passada, que teve dois dias e meio de atividade, a sobra de dólares foi de US$ 6 bilhões.
O país não tem característica de "porto seguro" em momentos de incerteza, nem as perspectivas de curto prazo são muito animadoras, já que próprios gestores externos alertam para inflação, alta de juros, medidas prudenciais e menor crescimento da economia.
Mas o que estimulou essa enxurrada de dólares? Uma boa resposta é: o próprio governo.
Ao deixar circular no mercado, por mais de uma semana, rumores, boatos e diversas matérias feitas com base em "fontes oficiais" e "fontes próximas ao ministro", o governo parece ter estimulado uma antecipação de fluxo.
"Isso é grana fugindo da maldade", resume um gestor, indicando que, ao ameaçar ao invés de tomar medidas e pegar o mercado de surpresa, o governo instiga a entrada de dinheiro no país.
O raciocínio é lógico. Se vem uma canetada no câmbio, melhor enviar o dinheiro logo para o Brasil, mesmo que não seja para comprar bolsa, juros ou qualquer outra coisa imediatamente.