Título: Crise no Japão diminui disposição por aumento de juros no mundo
Autor: Pinto, Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2011, Finanças, p. C3
O choque vivido pelo Japão, a terceira maior economia do mundo, provocará um período de retração da atividade global, o que promete diminuir a disposição dos bancos centrais em aumentar suas taxas de juros. Na avaliação do diretor do grupo de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, é natural que bancos centrais como o Banco Central Europeu (BCE) e o do Chile reavaliem suas decisões de aperto monetário, até que se tenha uma melhor ideia da intensidade e duração do efeito da crise no Japão. "Acho que é uma variável nova, que todos os BCs vão considerar. Há um risco adicional sobre a performance da economia mundial que não havia uma semana atrás. "Essa incerteza introduz um viés dovish (com menor inclinação à alta de juros) nos BCs", afirma.
Ramos acredita o Banco Central Europeu (BCE), que havia sinalizado com o início da normalização da política monetária a partir da sua próxima reunião, em abril, vai aguardar para avaliar como as condições de mercado evoluem para tomar uma decisão. "Enquanto a incerteza persistir, a reação prudente é esperar um pouco. Os BCs não querem estar "à frente" ou "atrás da curva" do mercado", diz. O mesmo vale para o Chile, onde há um ciclo de aperto monetário em curso. "Se o Chile estava no ponto de indiferença entre subir 0,25 ponto ou 0,5 ponto, ser cauteloso é subir 0,25 ponto", afirma.
Para o especialista, o Japão deve viver um choque econômico de curto prazo, com dois ou três meses de duração, enquanto os canais de distribuição de produção e geração de energia estiverem comprometidos. E, por se tratar de uma economia sistêmica, todo o mundo será afetado por essa retração. Mas, em sua opinião, depois desse período, a perspectiva da evolução do PIB aumenta, graças ao impulso provocado pela reconstrução. "Tudo isso assumindo que todo esse ruído em torno do tema nuclear fica por aqui, não vai gerar efeito mais permanente e extenso do que sabemos até agora", ressalta.
Diante desse cenário, Ramos não acredita que a queda dos preços das commodities que está ocorrendo indique o início de um ciclo duradouro, mas apenas um efeito temporário. "Ninguém está reavaliando o cenário de inflação por enquanto", afirma.
Ramos admite que há algum risco de que o dinheiro japonês aplicado mundo afora volte para casa, mas acredita que o efeito sobre as economias será marginal. Isso porque a poupança interna elevada do Japão e a capacidade de endividamento do governo por meio do mercado local devem ser capazes de dar conta dos gastos com a reconstrução do país. "No caso do Brasil, não espero ver uma repatrição grande de investimento japonês para financiar a reconstrução. Acho que é um capital que está mais sólido no Brasil do que no mundo. Não vejo como um problema que o Brasil tenha que manejar, que é o desinvestimento por parte dos japoneses", afirma.
Ainda assim, o especialista considera que, em meio às incertezas, é sempre mais vulnerável quem depende de financiamento externo. "Acho que o Brasil está nessa categoria", alerta. Isso porque causa do déficit em conta corrente e uma necessidade de financiamento externo que são relativamente elevados. "Se houver um período relativamente curto em que o fluxo de capitais não cobrir o déficit em conta corrente, não será dramático, porque poderá usar as reservas", diz.