Título: Tsunami do Nilo ou do Japão: qual é pior para a economia?
Autor: Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2011, Eu & Investimentos, p. D2

Quando o assunto é investimento, a grande maioria dos profissionais do mercado sugere que aplicar em ações deve contemplar um horizonte de longo prazo. Não podemos deixar de lembrar que uma das questões mais importantes a serem consideradas é a relação entre risco e retorno, que, por muitas vezes, está associada ao tempo da aplicação. Investimentos mais longos tendem a ter seu risco diluído, contrastando com aqueles mais especulativos, onde oscilações maiores são mais comuns.

O fato é que, no curto prazo, o comportamento dos mercados é muitíssimo influenciado por eventos sistêmicos, que perpassam desde questões econômicas até intempéries de toda a sorte, como é o caso, agora, dessas "revoluções" no mundo Árabe e da catástrofe japonesa.

Como é notório, ao comprar ações, um investidor está em busca de um prêmio que compense a assunção de um risco mais elevado. Em situações mais complexas, as volatilidades excessivas fazem o risco aumentar de forma dramática, afugentando aqueles que não possuem sangue-frio para atravessar a tempestade. Ao ver a queda das cotações dilapidando seu patrimônio, o investidor realiza o prejuízo, pois, como disse um aluno certa vez - ao ver as cotações de suas ações desabarem -, "a parte mais sensível do corpo é o bolso"!

O objetivo desse artigo é exercitar a futurologia, buscando antever como será a economia mundial, diante de toda essa procela na região do Nilo, além do impacto do cataclismo no Japão sobre a economia global.

As crises no Egito, Tunísia e Líbia são preocupantes e não parecem caminhar para um bom fim. Ainda creio, contudo, que os EUA e a comunidade internacional não pouparão esforços para jogar água na fervura, mesmo que, para isso, acenem com opção militar. É evidente que o preço do barril de petróleo, em forte escalada nas últimas semanas, incomoda, já que poderá interromper a recuperação da economia americana e global, justo no momento em que tentam sair de forma mais consistente da crise de 2008. Todavia, avalio que essas rebeliões "por liberdade" poderão não ser totalmente ruins. Por quê?

Há trinta anos, não era plausível imaginarmos a China ocupando o papel de segunda maior economia do planeta, desbancando japoneses e europeus. Também era impensável ensejar Brasil e Índia tornando-se potências, com o peso que têm hoje. Esse novo quadro, que ocorreu nas últimas décadas, incluiu bilhões de pessoas no mercado consumidor, depois que as "ditaduras econômicas" caíram com a globalização. É significativo ressaltar que o aumento de consumo não se deu somente nos alimentos, mas também em bens e serviços, espraiando o bem estar. As mudanças de paradigmas (e as redes sociais) transformaram o mundo.

Fazendo uma proxy para o futuro, como mais de 25% da população mundial ainda vivem sob regimes autoritários, se o desenlace desse imbróglio atual desenhar um novo arranjo político e social, mais democrático, as "revoluções" em curso tenderão a reverberar em outras regiões. Sendo assim, em 10 ou 20 anos, haverá espaço para a inserção de bilhões de novos consumidores, o que alavancará ainda mais a economia global, estimulando empresas a investirem, o que acaba por favorecer aplicações em ações.

É certo, contudo, que a contrapartida dessa nova alavancagem será o surgimento de uma série de problemas, que precisarão ser administrados com cuidado; dentre eles: inflação mais elevada, pois os preços dos alimentos deverão subir ainda mais; maior degradação ambiental; o mercado de trabalho não conseguirá absorver a mão de obra disponível etc... Ou seja, se o cenário que tenho em mente prevalecer, o mundo precisará se preparar para uma segunda "pernada" da globalização, que, assim como a primeira, trará benefícios, mas também enormes desafios e novas crises.

Por outro lado, o terremoto no Japão aumenta as chances de uma recaída global (o temível "W"). Outrossim, caso o risco nuclear determine que as usinas atômicas precisem ficar inoperantes por muito tempo, a alternativa viável para os japoneses será o uso de mais petróleo, o que, junto a essa onda revolucionária (que vem contaminando países do Oriente Médio), pode catapultar os preços para faixa entre U$ 150/200 o barril, empurrando a recuperação para o abismo.

Alexandre Espírito Santo é economista da WAY Investimentos, chefe de Finanças da ESPM-RJ e professor do IBMEC-RJ

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