Título: Cuidado com os falcões
Autor: Netto, Antonio Delfim
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2011, Brasil, p. A2
Nos últimos oito anos, a despeito das profundas mudanças no sentimento nacional, a economia brasileira cresceu muito pouco: cerca de 4% ao ano, praticamente o mesmo que a economia mundial (3,8%). Mas no período houve uma importante diferença como se vê na primeira tabela abaixo.
Ela explica-se, basicamente, por dois motivos: 1º) pela ênfase no Programa de Aceleração do Crescimento (o PAC) que reacendeu a partir de 2006 o "espírito animal" do próprio governo, dos trabalhadores e dos empresários que havia sido anestesiado pela falsa proposição (aceita pelo Banco Central sob o estímulo do sistema financeiro) que o "produto potencial" do Brasil permitia, apenas, um crescimento de 3,5% ao ano e, para não produzir uma aceleração da taxa de inflação, deveria praticar uma "taxa neutra" de juros real quase quatro vezes a mundial; e, 2º) pela maior rapidez com que o Brasil superou a crise produzida pelo desastroso comportamento do sistema financeiro internacional: no período 2008/09 o mundo cresceu em torno de 1% ao ano, e o Brasil cresceu em torno de 2,3%. Talvez uma visão um pouco melhor dos dois períodos possa ser apreciada na segunda tabela abaixo.
Economia brasileira cresceu cerca de 4% nos últimos anos
Nada recomenda ou exige, como afirmam alguns "falcões" do mercado financeiro, um ajuste dramático da situação fiscal e monetária. Algumas de suas sugestões são sensatas, como o controle das despesas de custeio e das transferências voluntárias, impondo-lhes um crescimento sistematicamente menor do que o do PIB. Outras são absurdas, como executar uma combinação de política fiscal super-restritiva, uma política monetária que racione o crédito com aumentos "musculosos" da taxa de juro real (colocando-a ainda mais longe da taxa de juro real do mundo) e liberdade para o câmbio valorizar-se "naturalmente", de acordo com os "fundamentais"... Infelizmente a taxa de câmbio (como um ativo financeiro) tem pouca relação "natural" com os "fundamentais"!
Muitos devem ter assistido a um desses "falcões", respeitado analista do mercado financeiro (que pretensiosamente acredita-se portador da "verdadeira" ciência econômica), afirmar num programa de televisão, que aquela "receita" é o "único caminho para reduzir o crescimento do PIB em 2011 para 3% e, assim, terminar o ano com uma inflação de 4,5%"... Ao contrário, o mais provável é que sua sugestão não apenas destruiria o "ajuste" (fiscal, monetário e cambial) que está sendo feito, como anestesiaria o ressuscitado "espírito animal" que tem animado o recente crescimento da economia.
Não deixa de ser um pouco extravagante a ideia que numa economia de mercado temos o poder de "fixar" o crescimento do PIB que desejamos. Este depende, basicamente, das "expectativas" sobre a demanda futura por parte dos empresários (que avaliam a oportunidade de novos investimentos) e dos trabalhadores (que avaliam a probabilidade e a qualidade de seu emprego), o que determina o nível de seu consumo.
Pode-se admitir que o governo cometeu alguns exageros e pecados veniais. Por exemplo, não ter eliminado todos os mecanismos de indexação quando a expectativa inflacionária estava bem ancorada nos 4,5% e não ter perseguido algumas reformas necessárias. Ou ter insistido (pela necessidade de dar maior velocidade à ampliação da demanda) numa política anticíclica de gastos correntes permanentes. A verdade, entretanto, é que ele levou o Brasil a superar mais rapidamente do que seus parceiros a crise internacional de 2008/09. Nada, afinal, que não possa ser corrigido com cuidadosas políticas fiscal, monetária e cambial críveis e bem coordenadas.
A inflação que está aí depende de fatores internos (de um aumento ainda não bem avaliado da demanda global sobre a oferta global, da estacionalidade, da acidentalidade, da fundamental e proposital redistribuição de renda que alterou a estrutura da demanda, da construção de monopólios protegidos na oferta de insumos básicos, da péssima qualidade dos serviços públicos que dissipam a produtividade do setor privado etc). E de fatores externos, como prova a co-variação da nossa taxa de inflação com relação à de todo o mundo emergente.
Porém, três coisas são certas: 1º) não devemos acreditar cegamente que o crescimento de 7,5% em 2010 representou uma dramática divergência entre a oferta e a demanda globais. Em boa parte foi produto de um "artefato" estatístico; 2º) o governo tem mesmo que reduzir a taxa de crescimento do consumo e aumentar sua eficiência; e 3º) que 2011 não está dado. Temos uma nova política fiscal, uma nova política monetária e uma maior coordenação entre elas. 2011 será o que formos capazes de fazer dele!