Título: Política cambial: o reverso da moeda
Autor: Blanche, Nathan
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2011, Opinião, p. A16

A alta dos preços das commodities vem preocupando o mundo, dados os efeitos desses preços sobre os índices de inflação de países desenvolvidos e emergentes. O índice CRB de commodities, excluindo o petróleo, registrou alta de cerca de 24% desde setembro do ano passado.

Tem-se ouvido várias justificativas para o boom nos preços das commodities, sendo uma das principais a política monetária quantitativa nos Estados Unidos e a consequente guerra cambial. A baixa taxa de juros praticada no país, em conjunto com a disponibilização de liquidez, via compra de títulos públicos pelo banco central americano, estaria inflando os preços das commodities. Como destacado em artigo de Paul Krugman ("Droughts, Floods and Food"), alguns culpam o presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Ben Bernanke, por tal reflexo nos preços das commodities, declarando que há sangue em suas mãos.

A despeito da execução de tal política pelo Fed, não se observa um movimento de depreciação expressiva do dólar ante uma cesta de moedas. Desde setembro de 2010, a moeda americana perante a cesta registra depreciação de apenas 4,9%, diferente do observado no passado como mostra a figura (um gráfico vale mais que mil palavras para evidenciar este processo), quando a alta dos preços das commodities estava altamente relacionada com o movimento de depreciação do dólar.

Assim, a política monetária nos Estados Unidos não é a principal justificava nesta questão da alta dos preços das commodities. O atual boom em commodities está relacionado essencialmente à junção de uma demanda aquecida, principalmente nos países emergentes, com problemas de oferta, dadas as questões climáticas na Rússia, Austrália, Argentina e Brasil, que comprometeram as safras de produtos agrícolas.

Vale dizer que, por trás deste cenário de demanda aquecida, há um novo paradigma na economia mundial, que foi comprovado com a crise de 2008, que foi o descolamento das economias emergentes das economias desenvolvidas, justificando a alta demanda por commodities, mesmo com a fraqueza das economias desenvolvidas.

O fato é que com a justificativa de que os países teriam que se defender dessa política monetária agressiva norte-americana, impedindo uma maior apreciação de suas moedas (a denominada guerra cambial), os efeitos desta alta de preços de commodities estão sendo amplificados na inflação doméstica, como é bem o caso da economia brasileira. Estamos enfrentando esta alta de preços de commodities em um momento em que a inflação está bastante pressionada, tendo em vista a demanda doméstica aquecida, não só privada, mas principalmente pública. Só para mencionar alguns números, em 12 meses, o núcleo que exclui preços administrados e de alimentos está em 5,63%, e a inflação cheia, em 5,99%.

O custo de acumular reservas, em termos contábeis, anula os efeitos da intenção de corte de gastos públicos

Enquanto a alta de preços de commodities vinha sendo compensada pela apreciação da moeda, os efeitos em termos de inflação doméstica não eram expressivos. No entanto, como o câmbio não vem mais amortecendo tal elevação, por causa das medidas adotadas pelo governo para conter a apreciação, os efeitos sobre a inflação têm sido bem mais importantes. Desde 2010, as duas séries estão caminhando muito próximas, na medida em que a alta em dólares pode também ser observada em reais.

Neste contexto, há um dilema para o BC brasileiro, que, de um lado, interfere na formação da taxa de câmbio, para evitar a apreciação, e, de outro, enfrenta um quadro de inflação elevada.

O fato é que este tipo de política cambial implementada pelo BC amplia os ganhos em termos de troca, que em 2010 já se elevaram em 14,5%. Em outras palavras, ao evitar a apreciação natural do real, o BC faz com que empresas menos competitivas continuem exportando, o que garante mais influxo comercial para o País. Vale mencionar que no acumulado deste ano, o fluxo cambial teve superávit de US$ 24,4 bilhões.

Além disso, tal política representa um peso para as contas públicas. Do ponto de vista fiscal, o custo de acumular reservas, projetado pela Tendências, neste ano é de R$ 50 bilhões, ou seja, em termos contábeis, anula os efeitos da intenção de corte de gastos públicos de mesmo valor anunciado pelo governo. Vale lembrar que as reservas internacionais já ultrapassaram os US$ 310 bilhões e considerando que o Banco Central deve continuar adquirindo toda a sobra do balanço de pagamentos esperada para este ano (US$ 49 bilhões), estas devem totalizar cerca de US$ 350 bilhões. O fato é que este custo não vem sendo revertido em benefícios para a economia brasileira via, por exemplo, novas quedas de prêmio de risco.

O BC, de fato, tem um dilema. Se parar de comprar dólares, haveria uma forte apreciação do real, gerando reações dos exportadores. Mas se continuar com a atual política, o País continuará bancando o elevado custo e, acima de tudo, tendo mais inflação, o que, por sua vez, leva à necessidade de novos apertos monetários, dado que o uso de instrumentos genéricos da política monetária (macroprudenciais) não tem contribuído para a melhora das expectativas inflacionárias.

Neste contexto, a única saída para o governo seria levar à frente uma agenda que pudesse alterar a estrutura de demanda de dólares no País. Poderia haver uma maior abertura comercial, a exemplo da última resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que reduziu para 2% a alíquota de importação de bens de capital, informática, telecomunicação e têxtil, estendendo tal benefício para outros setores com dificuldades de suprir a demanda interna. E também a continuidade do processo de liberalização cambial, modernizando o antigo arcabouço cambial, que ainda regula todas as operações de câmbio no País.