Título: Desaquecimento e inflação complicam acordos salariais
Autor: Villaverde, João
Fonte: Valor Econômico, 10/03/2011, Brasil, p. A3

Inflação mais alta e perspectivas menos otimistas para o crescimento já complicaram as primeiras negociações salariais na indústria. Enquanto os 13 mil motoristas de ônibus de Curitiba conseguiram, no mês passado, um reajuste nominal de 10% nos salários - alta real de 3,3% -, os 22,5 mil metalúrgicos de Jaraguá do Sul (SC), cuja data-base ocorre em janeiro, obtiveram um reajuste real inferior ao de 2010. O sindicato obteve 1,3% de aumento real neste ano, diante de 1,9% no ano passado. "A não ser que o sindicato represente uma categoria industrial muito pressionada pela falta de mão de obra, os reajustes de 2011 tendem a ser menores que os de 2010", diz Cid Cordeiro da Silva, coordenador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) do Paraná.

Se nos primeiros meses do ano passado a inflação acumulada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), usado nas negociações trabalhistas, era de 4,5%, nos primeiros meses de 2011 está em 6,5%. Assim, os acordos salariais nominais estão mais vistosos, mas o ganho real, menor. Como coloca José Milton Camargo, vice-presidente do Sindicato dos Comerciários de Curitiba, "se negociarmos um reajuste de 7% com inflação em 4,5%, o ganho real de 2,5% é aplaudido por todos. Mas se a inflação estiver em 6,5%, os mesmos 7% dão um ganho real de apenas 0,5%, e todo mundo reclama".

Mesmo segmentos que registraram crescimento acelerado nos últimos anos, como construção civil, encontram neste começo de ano um cenário mais árido para negociações salariais.

O sindicato dos trabalhadores na construção civil de Salvador e região, que representa mais de 140 mil operários, registrou no ano passado um acréscimo salarial de 5,6%, além da inflação - um dos maiores do país. Neste ano, as negociações estão mais lentas (em 2010 foram só duas reuniões e este ano elas se arrastam desde o começo de janeiro), a categoria está em greve há 30 dias. Em Camaçari (BA), onde estão 20 mil trabalhadores na construção civil, o sindicato alterou a data-base, transferindo de janeiro para abril, de forma a estender as negociações. Em 2010, o reajuste real foi de 7,7%.

O Valor levantou oito categorias cuja data-base ocorre entre janeiro e fevereiro e verificou que as dificuldades encontradas na construção civil atingiram a indústria, segmento que completou em janeiro o décimo mês consecutivo de crescimento fraco da produção. "Quando começamos a preparar nossa pauta de reivindicações, achávamos que as negociações seriam mais fáceis neste ano, porque tínhamos fechado um ano de crescimento forte não só no setor, mas no país como um todo", diz Vilmar Garcia, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Jaraguá do Sul (SC). "Definitivamente, não foi o que aconteceu", completa.

Segundo Garcia, as negociações foram mais "complexas" porque, diferentemente do ano passado, a economia não aponta para um crescimento tão elevado, e também a inflação ronda em patamares mais elevados. "Se no começo de 2010 falávamos de um crescimento de 7% na economia e a inflação em 4,5%, hoje falamos de um crescimento econômico de 4,5% e uma inflação batendo em 7%", diz Garcia. Os 14 mil metalúrgicos de Jaraguá do Sul conquistaram reajuste real de 1,3% nos salários - no ano passado, a alta fora de 1,9% acima da inflação.

Mesmo em categorias que fecharam um acordo melhor este ano que no ano passado, como os operários das fábricas têxteis de Joinville (SC), o reajuste conquistado foi inferior à média de 2% acima da inflação registrados na indústria em 2010. "No ano passado, muitos trabalhadores deixaram o nosso setor e foram frequentar cursos de especialização para outros setores, que pagam salários maiores. Isso foi levantado nas negociações deste ano", diz Livino Steffemes, presidente do sindicato dos trabalhadores na indústria têxtil de Joinville, que conquistou reajuste real de 1,2% nos salários dos 6 mil operários do setor - no ano passado, o reajuste foi de apenas 0,8% acima da inflação.

Os 70 mil trabalhadores no segmento de tecnologia da informação (TI) e processamento de dados no Estado de São Paulo encontraram em 2011 um território mais "contrário" a benefícios trabalhistas, diz Antônio Neto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados (Sindpd) de São Paulo. No acordo do ano passado, não só o sindicato conquistou reajuste de 1,9% acima da inflação, como o compromisso de ter a carga semanal de trabalho reduzida a 40 horas a partir de 2011. "Agora, pelo visto, a ficha caiu para os empresários. Alguns não se prepararam para uma jornada menor, mesmo sabendo que isso iria acontecer com um ano de antecedência", provoca o dirigente sindical. O sindicato patronal suspendeu as negociações - já atrasadas em dois meses. Neto convocou uma assembleia geral após o Carnaval, e fala em greve.