Título: Empresário egípcio prevê democracia e estabilidade no país
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2011, Especial, p. A12
A Electrometer começa este ano a operar em Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte, uma fábrica com capacidade de produção de 700 mil medidores de energia por ano, em sociedade com a Damp, uma empresa do banco mineiro BMG. A cada dois meses, El Sewedy passa uma semana no Brasil.
Ao falar ao Valor, no saguão de um hotel em Belo Horizonte, estava empolgado com a notícia da demissão de Ahmed Shafiq, no dia 3. Último primeiro-ministro do Egito indicado por Mubarak, Shafiq foi demitido depois de uma reunião entre o Conselho Supremo das Forças Armadas, que detém o poder de fato no País, e representantes dos manifestantes. Foi substituído por Essam Sharaf, um ex-ministro de Mubarak que passou para a oposição em 2006. Para El Sewedy, foi um sinal claro de que o regime caminha para a abertura.
El Sewedy também demonstrou satisfação com a abertura de processos legais contra uma elite empresarial egípcia que era profundamente vinculada ao governo de Mubarak. A figura mais conhecida é a de Ahmed Ezz, dono de um grupo siderúrgico com produção de 5,8 milhões de toneladas de aço no ano passado e detentor de cerca de 60% do mercado egípcio. Ezz também era tesoureiro do partido do governo e um dos principais articuladores de Gamal Mubarak, que tinha pretensões de suceder o pai no governo do país.
Ao término da entrevista, gravadores já desligados, o empresário arriscou-se a fazer uma aposta a respeito do vencedor das eleições presidenciais que devem ocorrer em setembro. Disse não acreditar nas chances do secretário da Liga Árabe, Amr Mussa, nem do ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Mohamed El Baradei. Segundo ele, há espaço para a vitória de alguém mais jovem e desvinculado das tradicionais estruturas políticas.
Valor: O sr. é o maior empresário egípcio no segmento eletro-eletrônico. Em que medida as mudanças no Egito podem afetar o meio empresarial como um todo e o grupo El Sewedy em particular?
Emad El Sewedy: É preciso estabelecer algumas preliminares porque é muito difícil, para quem está fora do Egito, dimensionar o que aconteceu no meu país. Os acontecimentos do início deste ano devem ser chamados de revolução. Foi algo histórico, que ninguém esperava que pudesse ocorrer, e isto vale principalmente para as pessoas que iniciaram os protestos contra o regime. O que os primeiros manifestantes buscavam talvez não fosse nem 10% das possibilidades que se abriram agora. É preciso lembrar que tudo começou com protestos contra a carestia e o fato de termos um desenvolvimento econômico concentrado, que exclui parte da sociedade. E então a magnitude disso foi crescendo e subitamente, no dia 25 de janeiro, colocou-se claramente a questão da mudança do regime, de mudança constitucional, eleições livres, do fim da corrupção. Tornou-se uma revolução política.
Valor: E as manifestações tiveram apoio no meio empresarial?
El Sewedy: A sociedade toda apoiou. O que ocorreu no Egito foi um movimento que nasceu das massas urbanas mais simples. Normalmente, as movimentações políticas começam no Exército no Egito, mas essa revolução não se apoiou em nenhum tipo de arma. Eu estive na Praça Tahrir para tentar entender o que estava acontecendo, queria ver com meus próprios olhos.
Valor: O senhor então participou das manifestações?
El Sewedy: Eu me sentia perdido ao ler o noticiário, tanto o do Egito quanto o de fora. Era estranho perceber a agitação e assistir na televisão afirmações categóricas de que nada estava acontecendo. Na mídia ocidental chegou-se até mesmo a dizer que as manifestações eram inspiradas pela Al-Qaeda, pelo Irã. Eu fui até a praça porque queria avaliar, por mim mesmo, em que medida a Irmandade Muçulmana [grupo político de inspiração islâmica] estava comandando a situação. E o que vi na praça Tahrir foi que a Irmandade estava completamente diluída no meio da multidão. Então o que devemos discutir é a razão desse temor da Irmandade Muçulmana. A revolução diminuiu, e não aumentou, as chances de eles chegarem ao poder.
Valor: Mas eles não eram o principal grupo de oposição no Egito?
El Sewedy: Nas eleições passadas, a Irmandade era a única organização oposicionista mobilizada para levar as pessoas a votar. E isso acontecia porque a maioria dos egípcios evitava votar, não confiava que as eleições fossem livres e justas. Ninguém se preocupava em participar. Agora as pessoas estão mobilizadas como nunca estiveram, e não foi a Irmandade Muçulmana que começou esse processo. As reformas constitucionais anunciadas devem aumentar ainda mais a participação política. É um ambiente muito mais aberto.
Valor: O aumento da incerteza na região levou o seu grupo a retardar decisões de investimento?
El Sewedy: No Egito não estamos suspendendo investimentos. Na semana passada assinei uma ordem para construir uma nova fábrica na área de Alexandria, porque já tínhamos tudo planejado, o financiamento assegurado, e não iríamos parar. Seguimos produzindo no Egito, como em outros países. O investimento lá em Alexandria é de US$ 5 milhões.
Valor: Mas na Líbia o grupo El Sewedy suspendeu um investimento de US$ 65 milhões em uma fábrica de cabos elétricos em Tripoli...
El Sewedy: A Líbia é uma situação totalmente diferente. A Líbia é um caos agora. O país é dividido em tribos, a população toda vem de tribos. A solidariedade não é entre o povo líbio, é intertribal. Então uma tribo apoia a revolução, outra tribo não, e quando eles se juntam, se juntam por tribo. No Egito, há um só povo. Quando se nasce no Egito, ninguém pergunta sobre sua família ou sua aldeia. Na Líbia, tudo depende de onde você veio. Durante a revolução no Egito, nem uma única igreja foi atacada, os negócios não foram saqueados, o povo se protegeu. Os militares no Egito são egípcios, não atiraram contra o próprio povo. Na Líbia você encontra uma tribo atirando na outra.
Valor: O senhor acredita que o caminho para a democracia no Egito agora é inexorável?
El Sewedy: Acredito completamente. Porque o povo não aceitará outra conduta, nada que não seja isso. As mudanças constitucionais vão todas nessa direção.
Valor: Mas a influência das Forças Armadas na política egípcia é gigantesca. É razoável pensar que o Egito terá um regime civil pela primeira vez desde a deposição do rei Faruk, em 1952?
El Sewedy: O papel das Forças Armadas é o de proteger, e não governar o Egito. Há um claro entendimento disso. Essa é uma inquestionável demanda da revolução. É claro que temos neste instante um presidente militar, e as Forças Armadas estão no controle do país, mas isto está ocorrendo justamente porque as Forças Armadas mantiveram a popularidade ao não se contraporem ao povo nas ruas. Eles viram que há um clamor por um presidente civil. Você deve ter visto que o primeiro-ministro do Egito renunciou [na semana passada]. Ele não fez isso de sua própria vontade. A demissão dele era uma demanda popular. Quem está dirigindo o Egito é a Praça Tahrir.
Valor: Há grandes empresários sendo investigados agora no Egito, que se destacaram no passado pela sustentação a Mubarak, como o caso de Ahmad Ezz, industrial do aço. Isso não causa apreensão entre o empresariado?
El Sewedy: Ahmad Ezz era tesoureiro do partido governante e tinha a maior parte do mercado doméstico do aço. Ele conseguiu licenças de importações para sua indústria do aço de maneira gratuita. Foram negócios de bilhões, e não milhões de libras [egípcias]. Ele irá a julgamento no Egito e isso é uma boa notícia para o meio empresarial. Os empresários corretos não se sentem representados por esse tipo de empreendedor.
Valor: O senhor acredita que o novo quadro político pode levar à instabilidade externa, se as relações entre Egito e Israel forem afetadas?
El Sewedy: Não acredito em mudanças, porque tanto Egito quanto Israel lucram muito com a paz. As guerras foram desastrosas para os vencedores e para perdedores no Oriente Médio.
Valor: Qual o efeito da crise para o Egito neste ano?
El Sewedy: O cenário inicial, pré-queda de Mubarak, era de a economia egípcia crescer 6% em 2011. As previsões mais realistas hoje são de crescimento de 3%, por causa da mudança política. Mas, a partir de 2012, tenho certeza de que o crescimento será bem maior que a faixa de 5%, 6% que vínhamos mantendo antes da crise. Porque no Egito o povo não estava feliz, estava estressado, e isso obviamente afetava a produtividade. Em um sistema democrático, vai aumentar a previsibilidade no país. Podemos nos tornar um portal de negócios para o Oriente Médio, a África e mesmo parte da Europa.
Valor: Porque a sua empresa decidiu investir no Brasil?
El Sewedy: Estamos focados no Brasil no mercado de medidores elétricos, em associação com o grupo BMG. Acreditamos muito no potencial deste mercado. O Brasil é um "hub" para a América do Sul, assim como o México será o "hub" para nós na América do Norte. Estamos começando a operar este ano e devemos ter faturamento de R$ 20 milhões, mas no médio prazo acreditamos que o governo vai fomentar a troca de medidores de energia para controlar as grandes perdas que existem no sistema. Temos capacidade de produção para 700 mil contadores em Sabará. Estamos em vários países porque optamos sempre por entrar em novos mercados. O Egito representa 15% do faturamento da Eletrometer, que está em torno de US$ 100 milhões. Estamos crescendo e fomos pouco afetados pela crise de 2008. Somos uma das empresas do grupo El Sewedy, que atua no Egito desde 1938.
Valor: Como foi o processo de instalação no Brasil? Por que o senhor optou por Minas Gerais?
El Sewedy: A parceria com o BMG começou em 2008, mas estou vindo ao Brasil desde 2006, quando comecei a estudar o mercado. Escolhemos investir em Minas Gerais porque em São Paulo já tem gente demais. Aqui em Minas tivemos acesso fácil às autoridades e encontramos nosso parceiro.