Título: Copom surpreende com ata suculenta e intrigante
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2011, Brasil, p. A2
Há um novo Banco Central em busca de uma nova política monetária, como pode-se depreender da ata do Copom, divulgada ontem, referente à reunião da semana passada. A ata deixa claro que o BC, nesse momento, está levando em conta dois fatores relevantes: as medidas prudenciais existem para ser usadas; e o intervalo de tolerância de dois pontos para cima ou para baixo do centro da meta, de 4,5%, também é para ser ocupado em momentos de choque de oferta (como é o caso da elevação dos preços das commodities e seus desdobramentos sobre os preços dos alimentos no país).
A reação dos bancos ao item 31 da ata, que sintetiza o pensamento do Copom, foi instantânea. "Surpreendentemente "dovish" ", disse o J.P. Morgan. "Mais dovish", comentou o Bank of America, no que foi seguido pelo Goldman Sachs e diversos outros bancos estrangeiros.
As instituições nacionais também foram tomadas pelo inesperado, mas não usaram explicitamente a expressão "dovish", denominação atribuída a uma autoridade monetária dócil como um pombo, em oposição a "hawkish", dura como um falcão.
O BC, com grande confiança, assume mais riscos
Todos, porém, entenderam que o ciclo de aperto monetário patrocinado pelo Banco Central desde janeiro deve ser mais curto e menos intenso do que imaginavam; e consideraram que o BC está assumindo riscos que não condizem com o natural conservadorismo esperado da instituição quando se trata de combater a inflação. Um ex-dirigente do BC chegou a ironizar: " O BC, agora, tem meta de juros e a expectativa de inflação é flutuante".
O item 31 da ata refere-se a um cenário alternativo, que conta com taxa de câmbio de R$ 1,65 por dólar e Selic de 12,5% no fim do ano. Neste, a projeção de inflação para 2011 encontra-se acima da meta, mas ligeiramente abaixo da meta em 2012. Tendo em vista esse cenário, associado à desaceleração do nível de atividade internamente e às incertezas no mundo, " a eventual introdução de ações macroprudenciais pode ensejar oportunidades para que a estratégia de política monetária seja reavaliada".
Isto é, a partir do cenário alternativo, um aumento de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros já seria suficiente para fazer o IPCA convergir para a meta de 4,5% ao ano no próximo exercício. Se novas medidas prudenciais, dirigidas para a contenção do crescimento da oferta de crédito, forem adotadas, talvez nem seja preciso toda essa dose de elevação dos juros.
A expansão do crédito nos bancos públicos é um elemento de preocupação e o novo aporte de R$ 55 bilhões do Tesouro Nacional ao BNDES, anunciado na semana passada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, só fez aumentar a apreensão.
É bom lembrar, porém, que no passado o BC fez intervenções draconianas no aumento do crédito. Em 1994, no auge da explosão da demanda pós-Plano Real, o Banco Central elevou todos os recolhimentos compulsórios dos bancos. Em seguida, criou um compulsório diretamente sobre as operações de crédito - que era pequeno como proporção do PIB - e, com isso, derrubou a economia.
Hoje, algumas áreas do governo já trabalham com um crescimento de 3,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, uma queda substancial em relação aos 7,5% do ano passado. Diante desse desaquecimento - que o mercado não vislumbra - seria possível a convergência da inflação para algo próximo ao centro da meta ainda em 2012. A se confirmar tal expectativa, a taxa Selic poderia ter mais um único aumento de 0,5 ponto percentual na reunião de abril.
Os operadores de mercado não aprovam o uso de medidas macro prudenciais, sob a alegação de que seus efeitos são desconhecidos e podem ser até mais severos para a atividade econômica do que o aumento dos juros. O Banco Central contra-argumenta que não cabe a ele ensinar o mercado a fazer contas.
Outro agravante para a política de controle da inflação é a taxa de câmbio. A contribuição da apreciação do real, nos últimos anos, para manter o IPCA no intervalo da meta foi importantíssima. Aliás, a influência da taxa de câmbio pode ter sido até maior do que o próprio manejo da taxa básica de juros no combate à inflação. Com o câmbio rondando R$ 1,65, essa contribuição se esgotou.
Preocupado com os prejuízos que a valorização do real traz para as contas externas, Mantega tem inclusive emitido sinais de que novas medidas virão muito em breve para conter a apreciação da moeda local frente ao dólar, processo esse que não se restringe ao Brasil.
Dentre essas medidas, especula-se sobre a elevação do IOF para investimentos estrangeiros em títulos de renda fixa, basicamente em papéis da dívida pública. Embora essa seja uma medida de estrita alçada do Ministério da Fazenda, através da Receita Federal, há uma interação na discussão entre o ministério e o Banco Central. Ocorre, porém, que o ingresso de dólares para aplicações em renda fixa tem sido praticamente nulo, razão pela qual um aumento da tributação seria uma providência ociosa. Há, no entanto, uma suspeita de ingressos de recursos para aplicações financeiras travestidos de investimentos estrangeiros diretos.
No cronograma do Copom, este ano presenciará dois momentos distintos para a inflação. Nos primeiros três trimestres, a variação acumulada do IPCA pode subir e furar o teto da meta, de 6,5%. No quarto trimestre, o índice acumulado em 12 meses cai, deslocando-se para o centro da meta.
Sem a ajuda da valorização cambial, com poucos indicadores sobre o efetivo desaquecimento da economia, um quadro de pleno emprego e aumento real de salários, salário mínimo superindexado e incertezas sobre a execução fiscal, há o receio de que o Banco Central esteja assumindo riscos demais.