Título: Renda vai a US$ 10 mil
Autor: Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 08/08/2010, Economia, p. 16

PIB per capita do brasileiro aumentará 162,8% nesta década, salto muito maior do que em países vizinhos, mas inferior ao visto na China e na Rússia

Depois de amargar bruscas oscilações nos anos 1980 e 1990, períodos de crescimentos econômicos medíocres, a renda per capita dos brasileiros resultado da divisão da soma de todas as riquezas do país por seus habitantes romperá, pela primeira vez, a marca dos US$ 10 mil no próximo ano, já sob o comando do futuro presidente da República. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que, nesta década, o indicador, apontado como um dos principais sinais de enriquecimento de uma nação, dará um salto de 162,8%, com perspectiva de aumentar mais 35% nos próximos cinco anos.

Quando comparado aos vizinhos da América do Sul, o avanço brasileiro se torna mais evidente, reflexo do compromisso com políticas econômicas responsáveis. Na Argentina, por exemplo, onde estripulias de governantes vêm minando o desenvolvimento, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita encerrará esta década com minguado crescimento de 9,88%. Porém, quando confrontado com os integrantes dos Bric, grupo de países apontados como futuras potências, o Brasil só conseguirá ficar à frente da Índia, onde a renda por habitante avançará 153,7% entre 2001 e 2010. Na China, hoje a segunda maior economia do planeta, o indicador avançará 323%. Na Rússia, o pulo será de 498%.

Diante desses números, só aumenta a responsabilidade do próximo governante. Para acelerar o ritmo de expansão da renda dos brasileiros, o país terá de ir muito além da manutenção do tripé metas de inflação, câmbio flutuante e ajuste fiscal, que está sob ameaça neste fim da administração Lula. Será obrigado a promover uma revolução por meio da melhoria da educação e de reformas que deixem no passado a burocracia e a ineficiência.

Os analistas não têm dúvidas: a melhora na renda per capita brasileira é reflexo não somente do crescimento da economia, mas também da estabilidade trazida pelo controle do dragão inflacionário. Quando se controla a inflação, há um ganho real no poder de compra do consumidor, analisa o economista e sócio da consultoria paulista Pezco, Frederico Turolla. Que acrescenta: Mas ainda é necessário um avanço maior em educação para efetivamente haver um ganho real desse aumento no poder de compra.

Na opinião do economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil vive agora um novo milagre econômico, ainda que com crescimento menor do que os 11% registrados entre os anos de 1968 e 1973 (quando a renda per capita girava em torno de US$ 500 conforme dados do Banco Mundial), mas com um ponto que é bastante peculiar e positivo: a redução da desigualdade. As taxas de crescimento do Brasil estão aquém das de outros Bric. No entanto, a qualidade do crescimento do país é indiscutivelmente melhor em vários aspectos. Aqui há preocupação com o meio ambiente e as regras do trabalho são mais claras. Até 2008, a renda real per capita dos 10% mais ricos cresceu 11,2% e a dos 10% mais pobres, 72%, afirma.

Querer mais A sensação maior de riqueza dos brasileiros tem se traduzido em um boom do consumo. As famílias estão comprando cada vez mais em 2002, eram 21 os produtos nos carrinhos de supermercados, agora, são 37 e ampliando as cestas de mercadorias de maior valor agregado, pujança que levará a economia do país, segundo previsões do FMI, a ultrapassar a Itália em 2013 e a ocupar a sétima posição no ranking global. No primeiro trimestre deste ano, quando a economia deu um salto de dois dígitos (10,6%) e o emprego e a renda avançaram juntos, o empresário brasiliense Rony Rosa Moreira Júnior, 43 anos, aproveitou para comprar um utilitário de luxo pelo qual pagou R$ 170 mil. Foi a segunda aquisição de um carro importado do segmento premium. A relação custo-benefício foi muito boa, diz.

São clientes como Moreira que têm levado o Grupo Caltabiano, dono de revendas das marcas Volvo e Land Rover em Brasília, a ampliar os negócios. Segundo Alessandro Maia, diretor-superintendente da concessionária, as vendas do grupo neste ano cresceram 104% no país e 105% em Brasília. Estudamos a abertura de lojas na capital federal até o próximo ano. O câmbio está favorável e as vendas só não cresceram mais porque faltou produto no mercado, afirma. O Brasil vive um momento excepcional. Os consumidores estão mais seguros em relação ao emprego, à renda e ao crédito, acrescenta.

É por isso que nunca foi tão explícita a movimentação da pirâmide do consumo, composta por três aspirações. A primeira, ter mais, refere-se ao ato de comprar, independentemente de ser a primeira vez ou de se renovar o que já se possui. A segunda, saber mais, corresponde ao acesso à educação e à informação, motivando a busca por empregos e salários melhores. A terceira, experimentar mais, é acessar o impensável, como carros de luxo e viagens ao exterior.

Alavanca Mas o varejo, em geral, comemora. Sobretudo o voltado para a baixa renda, devido à entrada de um exército de 30 milhões de novos consumidores graças à melhora do poder de compra, devido às correções do salário mínimo acima da inflação e dos programas sociais. Estamos assistindo ao avanço do consumo em todas as faixas de renda. A demanda está disseminada, afirma o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop), Luís Augusto Ildefonso da Silva.

A evolução é tamanha que a classe D, formada por famílias com renda mensal entre R$ 511 e R$ 1.530, já superou a classe B em poder de compra, com ganhos entre R$ 5.101 e R$ 10,2 mil, totalizando R$ 380 bilhões contra R$ 330 bilhões. O aumento da oferta de crédito aliada à estabilidade econômica contribui para o aumento do consumo das classes emergentes, ressalta Ildefonso. Essa, inclusive, é a principal razão do atual ritmo de construção de shoppings no Brasil, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Pelas suas contas, a expansão média do setor entre 2007 e 2009 foi de 22 a 25 novos empreendimentos por ano. Agora, a previsão é de 45 e, até a primeira metade de 2012, serão pelo menos mais 99.

O empresário Carlos Ferreirinha, presidente da MCF Consultoria, destaca o aumento do número de milionários brasileiros como mais uma alavanca para o consumo. Há 10 anos, esse mercado girava em torno de 350 e 500 mil consumidores. Hoje, está perto de 800 mil, informa ele, uma das referências nacionais em mercado de luxo. A seu ver, esses novos consumidores compram artigos premium pelo menos uma vez por ano e Brasília, que já é o terceiro maior mercado desse segmento no país, ganhou corpo nos últimos anos. O ganho da classe média em Brasília praticamente triplicou, especialmente em função dos cargos criados pelo governo. A cidade é um grande polo que atrai as grandes marcas internacionais de luxo, diz.

Nem tudo são flores Frederico Turolla, da Consultoria Pezco, diz que a atual euforia de consumo no país é perigosa, pois o crescimento econômico atual não é sustentável, mesmo com as expectativas em torno da Copa do Mundo no Brasil em 2014. Nela, os investimentos serão para setores não essenciais e os de infraestrutura já deficitários, como o de saneamento, vão perder volumes importantes de receita. Apesar disso, como os ciclos econômicos hoje são mais curtos, é possível um recuo no crescimento, mas não uma nova década perdida da economia como foi a de 1980, avalia.