Título: Investimentos provocam especulação imobiliária
Autor: Felício, Cesar
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2011, Especial, p. A20

De São Brás do Suaçuí

Os moradores com propriedades na região do Alto Paraopeba, da noite para o dia, passaram a se sentir donos de máquinas de fazer dinheiro. Além do aumento de problemas ambientais com a aceleração das obras de construção civil e da exploração mineral, a especulação imobiliária é a primeira consequência direta dos investimentos minero-siderúrgicos dos últimos anos no local.

Cortada ao meio por uma rodovia federal, a minúscula São Brás do Suaçuí, com pouco mais de 3 mil habitantes, sendo apenas 2 mil habitantes no núcleo urbano, vive a febre do aluguel. O retorno médio com a locação de um imóvel residencial é de 2,5% sobre o seu valor de mercado ao mês, enquanto em grandes centros como São Paulo e Belo Horizonte este percentual raras vezes passa de 1%.

A demanda foi puxada pelos funcionários da Vallourec&Sumitomo do Brasil (VSB), siderúrgica que deve começar a operar este ano em Jeceaba (MG), com 1,5 mil trabalhadores. No pico da obra, a construção envolveu 7 mil pessoas. Os alojamentos dos operários ficaram em Congonhas, Conselheiro Lafaiete e Ouro Branco, mas o pessoal da VSB e das empreiteiras procurou a locação em São Brás.

Apesar da VSB ficar em outro município, a usina está muito mais próxima do núcleo urbano de São Brás, o que alavancou o mercado imobiliário dessa cidade. "A casa com três quartos que era alugada por R$ 300 passou para R$ 2 mil em um ano. Cheguei a alugar uma com cinco quartos por R$ 8,5 mil", comentou a corretora Rosânia de Souza. Ela relata que o mercado de venda não tem liquidez. "A cidade é muito pequena e há três loteamentos aguardando a instalação da infraestrutura. Muitos dos que moram em São Brás estão com a documentação irregular, o que o impede o financiamento e trava as vendas. Um imóvel regularizado de 100 metros, com acabamento, pode sair por R$ 200 mil, mas estou sem oferta no momento."

O término da obra da VSB não garante que o mercado de locação volte ao normal em São Brás, porque a CSN anunciou em outubro a instalação de uma fábrica de aços longos no município, que quando pronta poderá empregar diretamente 700 funcionários, e em construção dará ocupação a milhares de empregados. Vários moradores da região são capazes de apontar as duas fazendas contíguas, sem benfeitorias, que a CSN teria adquirido às margens de uma estrada de terra em direção a Jeceaba. A área soma 150 hectares. Procurada, a VSB não se manifestou. A CSN confirmou a intenção de realizar o investimento. Os loteamentos podem mudar a escala urbana do município. "São 2 mil lotes que entrarão na oferta", disse a corretora.

A população flutuante de maior poder aquisitivo também poderá ficar hospedada em um hotel com salão para convenções que já está sendo erguido na entrada da cidade. "São 200 apartamentos. O investidor é o grupo Mirante da Serra, de Ouro Branco, que costuma atender a Gerdau", comentou o prefeito da cidade, Luis Carlos Fernandes (PT). Procurados em Ouro Branco, os diretores do Mirante da Serra não foram localizados. O prefeito conta com o aumento da oferta de serviços para alavancar o caixa da prefeitura, que não recebe tributos pela VSB. "O que cresceu mesmo aqui é a quantidade de lixo coletado, que passou de 1,5 tonelada para 4 toneladas por dia em três anos", afirmou.

Em Congonhas, a indefinição sobre a construção do complexo da CSN fez com que a especulação imobiliária fosse trocada pela ansiedade entre os fazendeiros que terão áreas desapropriadas pela Codemig, a empresa estatal que separará uma área de 30 quilômetros quadrados, o equivalente a 10% do município. O terreno será o distrito industrial em que a CSN se instalará. O decreto do governador delimitando a área é de dezembro de 2007 e vai caducar no fim de 2012. Não há perspectivas a curto prazo de que seja sequer agendada a audiência pública necessária para a licença ambiental prévia do investimento.

"Queria usar toda minha chácara para reflorestar com eucalipto, mas parei tudo, porque sei que as benfeitorias depois do decreto não vão entrar no cálculo da desapropriação. E por isso mesmo ninguém compra. Estou amarrado", lamentou-se João Pereira Pinto, na sala de uma casa ampla e simples no bairro do Alto Maranhão, dono de sete alqueires, ou 33 hectares. A seu lado, no sofá, o seu irmão Tarcísio também queixa-se. "Eu tenho uma propriedade em uma área afetada pela VSB. Eles fizeram um depósito em juízo e estamos discutindo o valor na Justiça. Na área em que há transmissão de energia, dizem que quem tem que pagar é a Cemig", diz. No canto do sofá, o terceiro irmão, Darci, teve melhor sorte. " Já recebi parte dos R$ 20 mil que a Ferrous Resources vai pagar para passar o mineroduto nas minhas terras", conta.

Os três irmãos estão ansiosos com a demora da desapropriação porque querem investir tudo o que receberem em imóveis. "Aqui no bairro um lote limpo de 300 metros quadrados está sendo negociado a R$ 100 mil. A gente compra, divide o lote, constrói em três meses, põe para vender ou alugar. Não tem como errar", diz Darci.

Isolados do núcleo urbano, os habitantes das cerca de cem casas do bairro Plataforma, erguido junto aos trilhos da MRS que transportam o minério extraído pela CSN, tentam negociar cada um por si a retirada com a siderúrgica. Na região a CSN já terraplenou o terreno para a construção de uma unidade de pelotização.

A siderúrgica contratou empresas para fazer a negociação com os moradores. São oferecidas duas opções: a compra da propriedade ou a troca por outra, com área construída maior, no bairro do Campinho, na área urbana de Congonhas. A maior resistência vem dos moradores com vivência rural. " Me diga por favor onde vou plantar minha horta e criar minhas galinhas dentro da cidade?", pergunta Ivete Castro Pinto, em sua casa coberta da poeira que vem do minério ao lado.

A negociação em separado dividiu os moradores. "Tem gente aqui que já vendeu por R$ 120 mil, R$ 140 mil. Depende do tamanho da casa, do estado dela e de onde ela está. Pela minha estão querendo dar só R$ 34 mil. A casa no Campinho não me interessa, porque não tem garagem. Eu sou motorista e vou querer fazer carreto em Congonhas", queixa-se o genro de Ivete, Paulo César Lobo. Paulo César não conversa com Maria Izabel Alves, diretora da Associação de Moradores, a quem acusa de passar informações para a CSN sobre as conversas dos habitantes da Plataforma. "É mentira que exista briga. Minha casa foi medida em 63 metros quadrados e vou ganhar uma de 85 metros quadrados no Campinho. Quem tem uma área com mais de mil metros quadrados ganha a casa e uma diferença em dinheiro. Todo mundo concordou com isso", garante. A opção mais arriscada, segundo Maria Izabel, é a de querer o dinheiro, em lugar da casa. "É só falar que estamos vindo do bairro Plataforma que o preço dobra", diz.

Mesmo em Conselheiro Lafaiete, cidade polo de serviços da região, mas que não está recebendo investimentos, o mercado de imóveis está mais aquecido que a média. "Aqui o preço médio de venda na região central é de R$ 7 mil o metro quadrado. Todo esse povo que está vindo para a região vai consumir serviços aqui. E os que vendem imóveis em Jeceaba, São Brás e Congonhas querem vir para cá. Eles vem pagar aqui R$ 700 do aluguel que está R$ 1 mil ou R$ 2 mil por lá. Virou uma coisa doida", diz o prefeito José Milton, também é corretor de imóveis. (CF)