Título: Projetos de infraestrutura precisam olhar serviços públicos e não obras físicas
Autor: Romero, Cristiano ; Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2011, Brasil, p. A4

De Brasília

Para atender à demanda crescente e viabilizar as taxas de crescimento da economia previstas para os próximos anos, o Brasil precisará investir algo entre R$ 172 bilhões e R$ 291 bilhões em logística e transporte até 2023. O horizonte de investimento considera o que já foi aplicado desde 2008, mas, na avaliação de Bernardo Tavares de Almeida e Hélcio Tokeshi, o dispêndio só será feito se o país mudar a forma de planejar e realizar projetos de infraestrutura.

Num capítulo do livro "2022: Propostas Para Um Brasil Melhor No Ano do Bicentenário", em que tratam dos gargalos de infraestrutura, Almeida e Tokeshi fazem uma diagnóstico da situação atual e propõem a criação de um "sistema moderno de serviços públicos". A primeira mudança é conceitual: a ênfase dos projetos deve ser nos serviços públicos prestados e não na obra física.

"A nós, cidadãos, interessa menos a estrutura física que permite que tenhamos serviços públicos, e mais a qualidade desses serviços. Tanto faz se o prédio da escola é novo, velho ou reformado: o que interessa é que tenha carteiras confortáveis, salas ventiladas e bem iluminadas, pátios e banheiros limpos, e outros serviços essenciais ao aprendizado", dizem os autores. "Ao destacar o serviço passamos a subordinar as questões técnicas às necessidades dos usuários da infraestrutura."

A visão de Almeida e Tokeshi é sistêmica. Segundo eles, é ineficiente planejar obras de infraestrutura de maneira isolada, na tentativa de resolver problemas específicos de demanda. A construção de uma linha de metrô numa região metropolitana, por exemplo. "É possível que seja eventualmente mais barato e mais rápido eliminar alguns deslocamentos por motivos de saúde, construindo-se um hospital no subúrbio, criando incentivos para a geração de postos de trabalho e usos mistos do espaço urbano por meio de polos descentralizados de comércio e lazer, e tratando o fluxo de deslocamentos de maior distância com uma combinação de tecnologias, por exemplo, integrando um corredor de ônibus de alta capacidade e uma linha de metrô mais curta", explicam.

Tokeshi e Almeida, respectivamente diretor-geral e gerente da Estruturadora Brasileira de Projetos, empresa criada há dois anos, por iniciativa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de bancos privados, para auxiliar o setor público a desenvolver projetos, apontam as mazelas do planejamento no Brasil. Além do foco em obras e não em serviços, falta integração entre planejamento, orçamento e finanças - o que se planeja nos planos plurianuais não tem correspondência com os orçamentos anuais.

"Os investimentos previstos nos orçamentos da União são frequentemente inscritos em restos a pagar para execução financeira em anos posteriores", assinalam os autores. "O gestor público, sabendo que a única função do orçamento é ampliar ou assegurar os restos a pagar, não tem incentivos à realização de um planejamento coerente com as reais necessidades do projeto. Estão dadas aí as condições iniciais para atrasos nas obras e falta de controle, acompanhamento e transparência na execução dos projetos."

Outro problema é a formulação de planejamento setorial sem a visão de integração de redes e serviços. Planejar mobilidade urbana, explicam Almeida e Tokeshi, é diferente de planejar isoladamente transporte via ônibus, metrô e trens. Uma outra deficiência é a ausência de cultura de gerenciamento de projetos - as metas são estabelecidas sem conhecimento de todas as etapas que o projeto deve percorrer, que estudos e projetos deverão ser realizados, a quais controles ele será submetido etc. Além disso, raramente analisa-se a viabilidade econômica e social dos projetos. Nesse modelo, prevalecem obras paralisadas, caras ou inadequadas.

Os dois especialistas sugerem que o governo limite o recurso à rubrica "restos a pagar", estabeleça metas claras de qualidade fiscal associadas à composição do gasto público, elevando a relação investimento/custeio, e introduza, nos contratos, regulação onde houver ausência ou falha dela, até que um modelo regulatório definitivo seja criado. Recomendam, também, a realização de mais concessões ao setor privado e parcerias públicos-privadas (PPPs). "Certamente, as demandas por infraestrutura e serviços nos diversos setores, se somadas, resultarão em valores incompatíveis com a capacidade fiscal do país", advertem. (CR e FT)