Título: Estudo propõe redução das metas de inflação
Autor: Romero, Cristiano ; Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2011, Brasil, p. A4

De Brasília Dezessete anos depois de iniciada a estabilização, o Brasil livrou-se da hiperinflação, dobrou a capacidade de crescimento, reduziu o endividamento externo e ganhou a confiança dos investidores estrangeiros. Apesar das vitórias, o sucesso futuro não está garantido. Num momento de incerteza da economia mundial, o país terá que fazer muito mais para deixar de ser uma economia em desenvolvimento e manter as elevadas taxas de crescimento que vêm registrando, além da inflação sob controle. O desafio é não só consolidar as conquistas já realizadas, mas também adotar políticas que permitam resolver problemas "ancestrais", como a baixa qualidade do ensino e os gargalos da infraestrutura. No livro "2022: Propostas para um Brasil Melhor no Ano do Bicentenário" (Elsevier/Campus), que será lançado dia 31, e cujo conteúdo foi antecipado ao Valor, especialistas fazem um diagnóstico da situação e lançam propostas para que o país, por exemplo, elimine até 2022 a pobreza extrema, que hoje atinge 7% da população.

Organizado pelos economistas Fabio Giambiagi e Cláudio Porto, o livro lembra que o país tem deficiências estruturais que, se não forem enfrentadas, abortarão o crescimento sustentado. São elas: baixo nível de escolaridade e de capacitação; gargalos na infraestrutura e nos sistemas logísticos; restrições à competitividade sistêmica; má qualidade do gasto público; escassez de poupança interna e baixa capacidade de inovação.

Na última década e meia, o país estabilizou a economia, mas a inflação ainda é elevada para padrões internacionais. A taxa de juros, por sua vez, é a mais alta do planeta. A solução dos problemas passa pela continuidade do processo de desinflação. O caminho para isso, na visão dos economistas Ilan Goldfajn e Marcelo Kfoury Muinhos, autores de um dos capítulos do livro, é reduzir os índices de preços via cortes graduais e sucessivos das metas de inflação, estacionadas há cinco anos em 4,5%. Esse processo deveria começar já em junho, quando o governo definirá a meta para 2013.

Os economistas afirmam que as expectativas de inflação, hoje na casa dos 6%, são diretamente influenciadas pela meta oficial. E as expectativas explicam quase metade do valor da taxa básica de juros (Selic). O restante é dependente das condições econômicas, como a estabilidade, o risco percebido pelos agentes e a política fiscal.

Assim, a forma mais eficaz de reduzir a inflação é mirar o futuro, ou seja, buscar índices menores ao longo do tempo. A proposta dos autores é que o país adote uma trajetória de redução da meta de inflação para reduzir no presente as expectativas. O governo faria uma transição suave, anunciada de antemão, com redução da meta para 4% em 2013 e para 3,5% entre 2016 e 2020, quando cairia para 3%.

Essa meta de longo prazo de inflação poderia levar os juros nominais a um patamar entre 6% e 7%, com juros reais próximos a 3% em 2020. O nível estaria próximo à Taxa de Juros de Longo Prazo, aplicada às linhas do BNDES. "A economia brasileira poderia conviver com apenas uma taxa de juros, que regularia as operações de mercado aberto e os empréstimos do BNDES. Os juros fixados pelo Banco Central poderiam afetar todo o montante de crédito da economia, aumentando a potência da política monetária", dizem os autores.

Os autores alertam que não é correto afirmar que a simples definição de uma meta mais alta diminui os custos de redução da inflação. "Quanto maior é a meta, mais elevadas são as expectativas de inflação e mais longo será o processo de desinflação." Eles admitem, no entanto, que há custos no caminho. "É preciso reconhecer que o Brasil ainda se encontra em um processo de desinflação e que, no horizonte relevante em que as metas são definidas, a velocidade de convergência para uma inflação baixa afeta o produto".

No longo prazo, no entanto, não há conflito entre uma meta mais baixa e o crescimento do PIB, como mostram evidências empíricas. O verdadeiro dilema ("trade-off") é entre a volatilidade da inflação e do produto após um choque de preços. O regime de metas foi bem-sucedido ao reduzir tanto a média inflacionária quanto a volatilidade do PIB, mas a manutenção da mesma meta desde 2006 mostra um esgotamento do processo, dizem Goldfajn e Muinhos.

O outro aspecto da política econômica que merece inflexão é a área fiscal. Apesar dos avanços obtidos nos últimos anos, o Estado arrecada muito, gasta mais ainda e investe pouco. Num capítulo do livro, Giambiagi e Barbosa recomendam duas medidas para conter as despesas públicas nos próximos 11 anos: fixação de um teto para a expansão da despesa com pessoal, que só poderia crescer 1,5% por ano; e limitação da evolução global do gasto corrente, que passaria a evoluir um ponto percentual abaixo do PIB.

Os autores defendem que o país continue gerando superávits primários de 3% do PIB ao ano e, dessa forma, reduzindo a relação dívida/PIB, o que permitiria uma forte ampliação dos investimentos, a queda dos juros reais e alguma redução da carga tributária, ainda que não a curto prazo. Seguindo esse receituário, o país cresceria 4,5% a 5% ao ano, com inflação na meta e redução gradual da Selic para 2,5% ao ano em 2022. A dívida líquida cairia para 10% do PIB.

"Pode ser que tudo dê certo, mesmo sem o ajuste. Pode ser que por alguma razão fora de nosso controle os juros caiam ainda mais aqui no Brasil, os investidores procurem o país como alternativa para seus recursos e tudo isso se traduza em mais crescimento econômico, a despeito da observação de um ritmo muito forte de aumento dos gastos", dizem os dois autores. "A história, entretanto, está repleta de casos de países que contaram com a sorte de que tudo iria conspirar a favor e, ao final das contas, por não contratarem um "seguro", viram anos depois a bonança cedendo espaço a graves crises fiscais, desmobilização política, protestos sociais e estagnação."