Título: OCDE está finalizando código de ética para múltis
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2011, Internacional, p. A13

De Genebra Um grupo de 42 países, incluindo o Brasil, está concluindo a revisão de diretrizes para atuação de empresas multinacionais, o que aumentará a pressão sobre a maneira como as companhias produzem em países como a China.

Em negociação na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a revisão introduzirá o conceito de "due diligence". Com isso, as companhias passarão a ser responsáveis pelo respeito de direitos humanos, trabalhistas e outros. Isso tanto em suas operações como em toda a cadeia de suprimento.

Na prática, as múltis colocarão em jogo tanto seu modo de produção quanto suas reputações nos contratos com fornecedores. O código é voluntário, mas submeterá as empresas a maior "public accountability" através da imprensa e de organizações de consumidores, com impacto na imagem pública e efeito nas bolsas.

Os governos dos países aderentes ao código vão reforçar os pontos de contato nacional para receber denúncias e tentar mediar disputas entre empresas, sindicatos, empregados ou organizações não governamentais (ONGs). Eles devem evitar que o código sirva apenas para relações públicas das empresas na área de responsabilidade social.

Pela primeira vez será incluído um capitulo sobre direitos humanos no código de conduta das multinacionais, refletindo a importância crescente do tema na arquitetura internacional.

O International Finance Corporation (IFC), pelo qual o Banco Mundial financia o setor privado, está revisando seus padrões de desempenho de projetos para incluir indicadores de direitos humanos. O tema faz parte do ISO 26000 de padrão de responsabilidade social. E crescem iniciativas para melhor alinhamento entre direitos humanos e políticas comercial e de investimento de países individuais ou blocos regionais como a UE.

Mas o código na OCDE é considerado a peça mais importante, pela sua cobertura, para alertar sobre efeitos de produção que possam resultar em abusos de direitos humanos. As multinacionais devem seguir as leis locais, mas o código deve explicitar que paralelamente elas devem ficar o mais próximo possível do "espírito de padrões internacionais".

A negociação na OCDE causa confronto entre os países. Basta ver que nos EUA leis laborais nacionais continuam a oferecer menor proteção do que algumas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). E a Europa dá a trabalhadores migrantes tratamento longe de ser exemplar.

Uma polêmica é sobre se direitos humanos e trabalhistas se confundem. Certas expressões também tomam dias de negociações. O código de conduta é para ser seguido nos 42 membros, sem obrigação jurídica, mas com forte apelo moral, na medida em que os consumidores também ficam atentos sobre o que compram.

O Brasil aderiu ao código, embora não seja membro da OCDE, e as empresas brasileiras vão precisar examinar bem as novas diretrizes para não serem cobradas, sobretudo quando operam em países ditos mais complicados.

Já a China, dita fábrica do mundo, não participa e recusou convite para aderir. Pequim continuará com as mãos livres para operar como quiser na África, onde tem peso crescente na exploração de recursos naturais. Mas a pressão moral sobre múltis que operam na China será inevitável.

Negociadores não têm dúvidas sobre o impacto nas estratégias de investimento de multinacionais, para se focarem mais no respeito de uma série de princípios, como direitos trabalhistas, direitos humanos, proteção do consumidor, taxação e antitruste. Dependendo de seus negócios, as empresas deverão antecipar, e desmontar, alguns problemas através de suas próprias "due diligences".

No Brasil, o Ministério da Fazenda é o ponto de contato para receber queixas contra multinacionais que não respeitem o código atual. O problema é que atualmente pouca gente sabe da existência do mecanismo. Sindicatos reclamam que o ministério não vem dando prosseguimento a algumas reclamações contra empresas.

A expectativa é de a revisão das diretrizes ser formalmente acertada pelos países em maio, na conferência ministerial da OCDE.