Título: Louvor cauteloso à América Latina
Autor: Blejer, Mario I.
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2011, Opinião, p. A15
A agenda de reformas na região ainda é enorme. Mario I. Blejer e Graciana del Castillo
A viagem do presidente americano Barack Obama ao Brasil, Chile e El Salvador é uma boa oportunidade para avaliar o desempenho recente das economias latino-americanas e analisar suas perspectivas e riscos daqui para frente.
A América Latina demonstrou uma forte capacidade de resistência durante a crise financeira internacional. Embora sua produção total tenha caído em 2009, recuperou-se muito rapidamente. Com o impacto da crise, sistemas bancários mais fortes e políticas macroeconômicas eficazes - como responsabilidade fiscal e baixo endividamento público, flexibilidade cambial e um grande acúmulo de reservas internacionais - permitiu que os países latino-americanos implementassem políticas anticíclicas sem precedentes. A paz política também foi preservada por meio de políticas sociais que reduziram conflitos organizados.
Em suma, embora as economias latino-americanas tenham sido beneficiadas pelos preços elevados das commodities, é inegável que as significativas reformas econômicas adotadas na maioria dos países permitiu-lhes ter uma "boa crise".
Mas esse desempenho exitoso, juntamente com altas taxas de crescimento de 2004 a 2010, parece ter produzido um nível saudável de autossatisfação entre os observadores e autoridades econômicas em alguns países. De fato, muitos deles, agora, aparentemente, assumem que os seus países tornaram-se imunes a choques futuros.
Essa complacência é injustificada. Embora o crescimento tenha ficado efetivamente muito acima da tendência nos últimos anos, o desempenho ao longo da década inteira foi inexpressivo. Em segundo lugar, embora os países tenham estabelecido as bases para um crescimento sustentável em diversas áreas, a agenda de reformas continua a ser enorme e a maioria dos países ainda não é capaz de evitar os ciclos de expansão e retração que historicamente os atormenta.
No que diz respeito a crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a maioria dos países registrou taxas médias de 3% a 4% ao ano no período entre as crises de 1999 e 2009. Países como o Uruguai, o México e El Salvador cresceram a taxas de apenas 2% a 2,5%. Apenas a República Dominicana, o Peru e o Panamá alcançaram 6% a 7% de crescimento. E, em base per capita, Argentina, Brasil, Colômbia, Uruguai, El Salvador e México conseguiram penosamente atingir, em média, menos de 2% de crescimento anual.
Mas são as pendências na agenda de reformas que deverão sufocar a complacência excessiva. Essa agenda, com óbvias diferenças entre países, abrange cinco importantes áreas, que, reunidas, deveriam ser o foco de atenção da política econômica visando solidificar a transformação da região.
Primeiro, os governos precisam adotar reformas urgentes para estimular o clima para negócios visando fomentar investimentos, empreendedorismo e inovação. A América Latina carece atualmente de condições competitivas equânimes para o empreendedorismo. Sem isso, a região não será capaz de superar os baixos níveis de produtividade e competitividade.
Em segundo lugar, a América Latina precisa rever suas políticas de saúde inadequadas e sistemas educacionais. A rápida expansão da demanda por trabalhadores qualificados não pode ser satisfeita quando a escolaridade média ainda totaliza oito anos.
Em terceiro lugar, apesar de algumas melhorias significativas, grandes deficiências na cobertura e qualidade da infraestrutura estão claramente afetando a competitividade e o aumento dos custos. O setor privado precisa envolver-se mais em infraestrutura, o que requer a adoção de parcerias público-privadas adequadas.
Em quarto lugar, os ganhos sociais dos últimos anos, embora importantes, estão longe de serem suficientes. Embora a taxa de pobreza na região tenha diminuído 10 pontos percentuais na década passada, 180 milhões de pessoas permanecem abaixo da linha de pobreza, mais de 70 milhões são, ainda, indigentes e um grande percentual se mantém pouco acima da linha da pobreza. Assim, a disparada dos preços dos alimentos e dos combustíveis provavelmente atrapalhará os esforços dos governos para melhorar a distribuição de renda e a coesão social.
Finalmente, embora o modelo econômico latino-americano baseado em recursos naturais e a crescente importância da China na região tenham catalisado o surto de crescimento que começou em 2004, a participação das exportações de manufaturas de alta tecnologia e de serviços tem diminuído. A menos que essa tendência seja revertida, será difícil melhorar a qualidade dos empregos na região, o que poderá comprometer a estabilidade social e política.
A América Latina já percorreu um longo caminho. Passou brilhantemente no teste da crise e o futuro é promissor. Mas o sucesso da região deve ser visto como uma base para cimentar o progresso, e não como um fim em si mesmo. Caso contrário, os países correrão o risco de perder seus ganhos duramente conquistados.