Título: Brasil ainda está atrasado no tratamento de esgotos
Autor: Rockmann, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2011, Especial Água, p. F1

De São Paulo

Em pleno século XXI, ter acesso à rede de saneamento básico ainda é um sonho distante para milhões de brasileiros pelos quatro cantos do país, que está muito longe de chegar à universalização dos serviços de coleta e tratamento de esgoto. Mais da metade da população continua sem acesso à rede de coleta de dejetos, 8 milhões não têm sequer banheiro em suas residências. Apenas 30% das residências dispõem de sistemas de tratamento de resíduos, pelos dados do IBGE. "Esgoto a céu aberto é doença na certa", diz Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, que realizou um estudo sobre o reflexo das más condições de saneamento básico sobre a saúde pública de 81 municípios brasileiros com mais de 300 mil habitantes.

Divulgado no início do ano, o estudo aponta que as diarreias respondem por mais de metade das doenças relacionadas ao saneamento básico inadequado, sendo que as crianças de até cinco anos são as mais afetadas pela rede insuficiente de esgoto. Em 2008, foram internadas 67,3 mil crianças dessa faixa etária por diarreias, número que representou 61% de todas essas hospitalizações nas 81 cidades analisadas. Além do reflexo sobre a saúde pública, o esgoto a céu aberto tem impacto ambiental, poluindo rios de regiões metropolitanas e tornando o tratamento da água mais elevado. "A situação brasileira é vergonhosa", diz o consultor e diretor do portal Tratamento de Água, Eduardo Pacheco.

A situação é ainda mais dramática nas regiões Norte e Nordeste. Se no Sudeste o percentual de municípios com rede coletora de esgoto chega a 95%, no Nordeste está em 45,7% e no Norte é ainda menor: 13,4%. Os números refletem o baixo volume de recursos aplicados no setor, que, embora estejam em crescimento nos últimos anos, estão bem abaixo das necessidades.

Entre 1995 a 2002, os investimentos em saneamento chegaram à média anual de R$ 6,1 bilhões, enquanto entre 2003 e 2009 ficaram em R$ 5,4 bilhões por ano. Mantido o atual ritmo de recursos, a universalização dos serviços de água seria realizada em 2039 - daqui a 28 anos - e a rede coletora de esgotos abrangeria todos os brasileiros apenas em 2060, ou seja, demoraria ainda 49 anos para ser concretizada. Estima-se que mais de R$ 250 bilhões teriam de ser investidos para que esgoto a céu aberto nas cidades fosse visto apenas em no cinema.

Se o retrato do saneamento básico no Brasil é ruim, despontam alguns exemplos de investimentos em novas tecnologias e na maior eficiência da rede coletora de esgoto. No interior de São Paulo, a Sanasa, companhia que atua em Campinas, está investindo em um projeto pioneiro no Brasil que contempla um inovador processo de membranas filtrantes, polímeros que conseguem remover partículas sólidas, bactérias, vírus, sais e até mesmo metais pesados da água. A água proveniente do tratamento sairá com um grau de pureza de 99,5%, compatível com a qualidade necessária do líquido para uso industrial. Com o projeto, a empresa está de olho em vender essa água de reúso para o abastecimento do polo petroquímico de Paulínia. "O tratamento de esgoto pode se transformar em uma receita adicional", afirma Pacheco. (R.R.)