Título: Segurança na fonte
Autor: Rockmann, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2011, Especial Água, p. F1

Investimentos em coleta e tratamento de esgoto e na gestão para combate às perdas ganham espaço na agenda das empresas e dos governos.

Privilegiado por possuir pouco mais de 10% da água doce encontrada no planeta, o Brasil não está livre de enfrentar desafios para assegurar o abastecimento contínuo do insumo nos próximos anos. Grande parte das reservas disponíveis de água está concentrada na Bacia Amazônia, enquanto em regiões metropolitanas do Sudeste e Nordeste algumas áreas apresentam escassez do insumo. O tema desperta cada vez mais atenção de empresas e governos em relação à gestão dos recursos hídricos.

Segunda maior economia do Brasil, o Rio de Janeiro atua com foco na proteção e recuperação dos mananciais, para buscar assegurar o abastecimento futuro. Também tem trabalhado na cobrança do uso de água, que resultou, em 2010, na arrecadação de R$ 33 milhões, sendo que parte do dinheiro é usada em obras de tratamento de esgoto. Em algumas regiões fluminenses, já há escassez.

"Cerca de 20% da disponibilidade do Estado convive com situação de estresse", diz a presidente do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Marilene Ramos. No entorno da cidade de Itaboraí, onde a Petrobras irá construir um complexo petroquímico, estudam-se alternativas para ampliar o abastecimento hídrico nos próximos anos. "A obra deve atrair milhares de pessoas e será preciso atender a essa demanda futura."

O problema de escassez não está localizado apenas no Sudeste. Na Bahia, o quadro não é diferente. "Cada vez mais temos de buscar água em locais mais distantes", diz Abelardo de Oliveira Filho, presidente da Embasa, companhia estadual baiana. Os mananciais de Guanambi, no sudoeste do Estado, estão perto do limite, o que fez a empresa investir em um projeto de R$ 100 milhões para construir pouco mais de 230 quilômetros de adutoras para buscar água no rio São Francisco. Em Salvador, a água é suprida por vários mananciais. "Em um dos principais sistemas para a região metropolitana, o custo de captação por meio de 89 quilômetros de adutoras chegou a R$ 15 milhões em 2010 e está sendo crescente", afirma.

Nesse contexto, ganham espaço na agenda das empresas e dos governos os investimentos em coleta e tratamento de esgoto e no combate às perdas. "Está cada vez mais difícil obter novas fontes de água, que está sendo captada em centros distantes, o que encarece os custos. O foco tem de ser na melhoria de gestão, que tem um custo muito mais baixo", diz o consultor Airton Sampaio Gomes, que faz trabalhos para o Banco Mundial e concessionárias da área de saneamento básico. Segundo suas estimativas, as perdas no sistema no Brasil chegam a R$ 7,4 bilhões em um ano.

"Mas a metodologia é conservadora e o número pode ser maior", afirma. O índice de desperdício nas empresas brasileiras está na média em 39%, enquanto na Europa e nos EUA fica na casa dos 10% a 15%. No Japão, referência mundial, o indicador está em 4%. No Norte do país, as perdas chegam a mais de 60%, por vazamentos e mau gerenciamento da rede. "Em alguns Estados do Norte e Nordeste, cerca de 85% das perdas são reais e 15% são aparentes", diz Gomes.

No jargão do setor, as perdas reais correspondem ao volume de água produzido que não chega ao consumidor final e podem ocorrer por vazamentos nas adutoras, redes de distribuição e reservatórios. Já as perdas aparentes correspondem ao volume de água produzido que não é contabilizado pela companhia de saneamento e decorrem de erros na medição, fraudes, ligações clandestinas e falhas no cadastro comercial.

No Brasil, o menor índice de perdas está na rede de distribuição da Sabesp, referência nacional e que atende 365 municípios do Estado de São Paulo. O indicador, que há três anos estava em cerca de 30%, está em 26%, mas a meta é reduzi-lo até o fim da década, para que chegue a 13%. "Esse é um esforço contínuo nosso", diz a presidente da empresa, Dilma Pena. Além de investimentos na adoção de tecnologias inovadoras, a empresa tem um acordo de cooperação técnica com o Japão.

Em 2010, a Sabesp fechou acordo com a Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), para apoiar a redução de perdas em Maceió, capital do Estado. O índice de desperdício de água da Casal, que estava em 60% antes do acordo, caiu para perto de 55% no fim de 2010. Este ano, a expectativa é de que chegue a 45%, o que aumentará, por sua vez, o caixa da concessionária estadual alagoana.

Empresas e Estados procuram investir mais na rede de esgoto, uma forma de reduzir o lançamento de dejetos nos rios e assegurar no futuro melhores fontes hídricas. Em São Paulo, a Sabesp trabalha em um dos maiores projetos do país. A meta da concessionária é universalizar os serviços de água e esgoto até 2018 nos 365 municípios atendidos. Nesse contexto, uma das principais iniciativas é o projeto Tietê, que está na terceira etapa e vai consumir US$ 1,05 bilhão em investimentos para elevar a coleta de esgoto de 85% para 87% na Região Metropolitana de São Paulo e aumentar de 72% para 84% o índice de tratamento de esgoto até 2015.

O monitoramento e tratamento de bacias, lençóis freáticos e rios para assegurar água potável ou seu uso industrial ganham espaço na agenda de governos, concessionárias e empresas que têm no insumo uma de suas principais matérias-primas. Em Minas Gerais, a bacia do rio das Velhas se tornou uma das ações estruturantes do governo estadual há sete anos. Entre 2003 e 2010, foi aplicado R$ 1,2 bilhão em obras para melhorar a qualidade da água no rio. Em 1999, menos de 2% do esgoto coletado na região da bacia do rio das Velhas era tratado. Em 2009, o volume tratado chegou a 68%. A recuperação da qualidade das águas do rio, próximo à região metropolitana de Minas, permitiu a volta dos peixes, dado constatado pelo sistema de biomonitoramento realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).