Título: Revoluções e riscos para as empresas brasileiras
Autor: Cunha, Fernando Henrique ; Moura, Fábio Alves
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2011, Opinião, p. A14

Ao longo das últimas duas décadas as empresas brasileiras vêm ampliando gradual mente sua presença e atuação internacional. Essa atuação, ainda tímida em alguns setores, é bastante proeminente em áreas como as de infraestrutura e construção pesada, em que empresas brasileiras são bem competitivas e ocupam posições de liderança em alguns mercados complexos. A crise nos países árabes, no entanto, ajuda a lembrar de forma brutal que no capitalismo global não há oportunidade sem risco. Comprovando essa máxima, a despeito das enormes oportunidades e da riqueza altamente concentrada de grande parte dos países da região, os riscos alí adquirem proporções semelhantes. Para além da tragédia humana, as revoluções e levantes em andamento em quase todo o mundo árabe, que já atingiram mais de dez países e podem espalhar-se ainda mais, certamente prejudicam toda a economia da região, mas podem afetar de modo particularmente significativo o andamento dos projetos de grande porte e de longo prazo, como os de infraestrutura.

Se por um lado era impossível há três meses prever as diversas revoluções e levantes ora em andamento, a instabilidade potencial da região vinha de um risco estrutural originado pela conjunção de uma série de fatores, como uma economia excessivamente dependente do petróleo, a escassez futura do mesmo e sua substituição gradual por outras fontes de energia e regimes políticos repressivos, não representativos e que lastreavam seu poder político e apoio internacional no interesse energético. Isso sem falar nas crises demográfica e hídrica eminentes e que podem ter resultados catastróficos não só para a região mas para a economia mundial como um todo.

Esses fatores, apesar de típicos do Oriente Médio e norte da África, geram riscos que se repetem, por diversos motivos, em grande parte do mundo em desenvolvimento. Desde o fim da Guerra Fria a tensão dos riscos políticos havia diminuído muito com a ideia de um mundo unipolar no qual reinaria a Pax Americana, a ponto de ser quase relegada a segundo plano, mesmo após o 11 de setembro, que grande parte do empresariado e dos setores políticos brasileiros identificou como um problema concentrado principalmente nos Estados Unidos. A estatização das duas refinarias da Petrobras na Bolívia em 2007, no entanto, trouxe essa preocupação novamente à tona.

Pela complexidade dos grandes projetos, que demandam enormes investimentos e um prazo amplo para a sua realização, e porque estão diretamente ligados à prestação de serviços essenciais à população, como obras de saneamento básico, transporte, energia etc, o setor de infraestrutura é extremamente sensível do ponto vista político, o que o leva naturalmente a uma significativa dependência de um contexto político minimamente favorável.

Ainda que durante sua expansão internacional as preocupações centrais das grandes construtoras brasileiras no exterior tenham sido de ordem cambial e concorrencial, os levantes nos países árabes evidenciam com clareza o último grau de uma longa escala de problemas de origem política que tais projetos podem enfrentar.

A mudança de regime pode levar a um novo governo que, fruto da formação de um novo jogo de poder, influências e interesses, tenha portanto prioridades totalmente diferentes para o setor. Como o processo revolucionário implica no mais das vezes a adoção de uma nova constituição e de novas leis, a possibilidade de ruptura unilateral dos contratos e concessões, de reestatização de ativos, de bloqueio de pagamentos, de congelamento de contas bancárias e de remessas ao exterior e, em casos extremos, mesmo a negação de autorização para que executivos e outros empregados da empresa deixem o país, podem voltar à ordem do dia.

Se, por um lado, a retirada pela Petrobras e pelas grandes construtoras dos cidadãos brasileiros da Líbia ao longo dos últimos dias, inclusive por meio de aviões e navios fretados exclusivamente para essa operação, mostra a amplitude e relevância da atuação dessas empresas no exterior, cumprindo inclusive um papel que alguns poderiam alegar ser do próprio Itamaraty, mostra também a força e a capacidade de mobilização das mesmas. Por outro lado, no entanto, o fato de a Odebrecht reenviar seus mais de 2 mil funcionários que trabalhavam na Líbia para seus países de origem demonstra que a situação, ao menos no que tange aos projetos de infraestrutura no país, não se deve estabilizar tão cedo.

Nesse contexto ressurge, entre outras, a preocupação com o equacionamento dos riscos políticos, tradicionalmente mitigados por meio de seguros de risco político. Essa ferramenta, porém, além de cara, deve ser customizada por iniciativa ou sob supervisão da segurada para as características de cada projeto, o que pode reduzir seus custos e aumentar em muito sua eficiência. Além disso, ela está longe de ser a única forma de lidar com tais riscos, uma vez que sua mitigação pode e deve ser incorporada à estratégia de internacionalização da empresa e incluir a análise minuciosa de tratados bilaterais para a proteção de investimentos, além da utilização de ferramentas de hedge, estrutura societária com triangulação internacional e instrumentos contratuais indiretos de mitigação, entre outros mecanismos.

Considerando que, como diversos analistas já previram desde o início das manifestações na Tunísia em janeiro, essa onda de violência popular contra regimes ditatoriais pode espalhar-se para regiões muito além do mundo árabe, como a Rússia, segundo preocupação expressa pelo próprio presidente Medvedev, e Angola, onde já há manifestações populares agendadas para o início de março, as multinacionais brasileiras atuando nesses países ou com planos e projetos para tanto, em especial as dos setores de infraestrutura, devem sim manter e mesmo intensificar sua atuação internacional, dada sua competitividade, diferenciais e enormes oportunidades, porém incorporando os elementos desta nova realidade e a gestão estratégica dos contratos e dos riscos políticos ao seu planejamento geral de internacionalização.

Fernando Henrique Cunha é sócio da FH/Cunha Advogados Associados

Fábio Alves Moura é advogado da FH/Cunha Advogados Associados