Título: Para segurar mercado, Europa reduz preços de exportação
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2011, Brasil, p. A4

Exportadores na Europa estão reduzindo suas margens de lucros para manter as fatias de mercado no comércio mundial, em meio à competição cambial e à crescente incerteza da economia global. O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, considerou que o movimento das empresas não chega a surpreender, mas fez uma ressalva. "É mais fácil um exportador da Suíça, vendendo produto tecnológico de alto valor agregado, cortar margem, que um país que exporta sapatos, onde a margem é bem menor."

Os dados levantados pela Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex) confirmam que a tendência já resultou em redução do preço médio no caso das exportações da União Europeia ao Brasil de bens de consumo duráveis. No último trimestre do ano, o preço desses produtos caiu 5,8% em relação ao mesmo período de 2009.

Em relação aos bens de capital importados pelo Brasil com origem na União Europeia, os preços do último trimestre de 2010 mantiveram-se estáveis. Levando em conta os preços médios cobrados no acumulado de janeiro a dezembro do ano passado, porém, houve queda de 4,63% em relação a 2009 e de 10,6% na comparação com 2008.

O presidente do Banco Central suíço, Philipp Hildebrand, ao receber ontem a notícia de que as exportações suíças deram um salto de 10,4% em janeiro, em relação ao mesmo mês do ano passado, comemorou "a resiliência" das vendas para o exterior, mas foi cético sobre o futuro. "As empresas estão cortando margem para não perder mercados e isso traz um enorme desafio", disse. "Se isso continuar, vai minar a capacidade futura das companhias investirem e também o potencial da própria economia."

A Suíça é, com o Brasil, um dos países que mais viram sua moeda se valorizar nos últimos tempos, a ponto de Philip Hildebrand dizer que "nossos dois países têm aí o mesmo problema" no comércio, na medida em que a competitividade dos exportadores é fortemente afetada.

Um analista comentou, por sua vez, que no caso de boa parte das exportações brasileiras de commodities, não há espaço para cortar margem, até pela maneira como são feitos os contratos e as transações nas bolsas.

O comércio mundial cresceu 22% em valor no ano passado. A expectativa era de crescimento de 13% em volume. Para este ano, o crescimento deve ser menor, mas a OMC admite que não tem ideia do impacto do desastre no Japão e da crise no Oriente Médio sobre as trocas globais.

O fato é que os riscos sobre a economia mundial crescem, com tendência de mais alta no preço do petróleo e da inflação. O Instituto Internacional de Finanças (IIF), entidade que representa os maiores bancos do mundo, estima que, como regra geral, uma alta de 10% no barril de petróleo durante um trimestre provoca alta anual de 0,7% na inflação e declínio de 0,25% no PIB mundial.

Para o presidente do BC suíço, a valorização de moedas de emergentes, como o real brasileiro, faz parte do reequilíbrio da economia mundial, ou seja, tende a continuar. Mas ele vê a Europa no bom caminho para resolver a crise da dívida de vários países, o que segundo ele deverá atenuar as pressões por mais valorização do franco suíço.

Hildebrand declarou-se "incomodado" com a avaliação de guerra comercial, que foi primeiro usada pelo ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega. "Não há guerra cambial e as autoridades estão é discutindo cada vez mais o tema. Também as autoridades políticas resistiram à tentação do protecionismo e isso continua um desafio, inclusive para se evitar protecionismo cambial."

Ao seu ver, a situação cambial de vários emergentes faz parte do "reequilíbrio do balanço de pagamentos" globalmente, que segundo ele está ocorrendo agora.

Ele considerou "legítimo" que emergentes como o Brasil utilizem controle de capital para frear a entrada excessiva de recursos, que ampliam a pressão sobre a moeda. Mas mostrou uma ponta de ceticismo sobre o efeito dessa medida no longo prazo.

A Suíça, também com um franco extremamente forte, não tem possibilidade de fazer controle de capital, o que, segundo ele, simplesmente tiraria competitividade dos bancos locais. "Operadores iriam fazer transações na vizinha Alemanha, mesmo pagando uma taxa ligeiramente superior", disse.

Por outro lado, o diretor-geral da OMC foi claro ao ser indagado sobre o impacto do desastre do Japão e da crise no Oriente Médio sobre o comércio mundial este ano. "É preciso dizer honestamente que não sabemos", confessou. Para Lamy, uma coisa é certa: o comércio intrarregional, envolvendo Japão, China, Coreia do Sul, Tailândia e outros asiáticos, será especialmente afetado pela própria especificidade da cadeia de produção regional. (Colaborou Marta Watanabe, de São Paulo)