Título: Japão sabia, mas minimizou risco nuclear
Autor: Shirouzu, Norihiko; Landers, Peter
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2011, Internacional, p. A10

The Wall Street Journal, de Tóquio Num prenúncio do desastre que acabou ocorrendo, autoridades reguladoras do Japão discutiram em meses recentes um erro básico de projeto que poderia permitir que um tsunami ou outro desastre no país cortasse a energia de usinas nucleares, deixando-as indefesas contra um superaquecimento.

Mas as autoridades preferiram ignorar o problema nos reatores já existentes e se concentrar em ajustar os futuros reatores, revelam documentos do governo e das empresas. Não houve conversa séria sobre reformar usinas mais antigas para diminuir o risco, disseram assessores do governo.

A usina no centro da crise japonesa, a Fukushima Daiichi, dependia principalmente de eletricidade para alimentar o sistema de resfriamento de emergência dos reatores - sistema que falhou no terremoto e tsunami de 11 de março. Quando a rede elétrica foi cortada e os geradores de reserva falharam, a água de resfriamento não conseguiu chegar ao combustível nuclear. O superaquecimento causou explosões, incêndios e a liberação de radiação significativa nos primeiros dias depois do terremoto.

"Houve pouco ou nenhum diálogo sobre a necessidade de reformar os reatores já existentes" com sistemas de segurança adicionais, disse Muneo Morokuzu, ex-projetista de reatores nucleares da Toshiba e que agora estuda políticas para a indústria nuclear na Universidade de Tóquio. "A maioria das pessoas achou que não havia necessidade de ir tão longe."

Reformar usinas antigas foi considerado caro e complicado demais diante do que era visto como um risco pequeno de blecaute total, dizem especialistas. Mesmo que a reforma fosse ordenada em meses recentes, não estaria pronta quando ocorreu o terremoto.

Ontem, a operadora da usina japonesa, a Tokyo Electric Power, ou Tepco, deu mais um passo em direção à recuperação, religando a eletricidade dos seis reatores da usina e, principalmente, do reator número três, o que sofreu danos mais visíveis depois das explosões de 14 de março. A Tepco ainda precisa ligar os sistemas de resfriamento.

Os trabalhadores da usina também voltaram ontem a lançar água nas piscinas de resfriamento, onde ficam as barras de combustível nuclear, numa tentativa de impedir o superaquecimento do material radioativo.

Em outubro, a Comissão de Segurança Nuclear do Japão, uma das principais agências de regulação nuclear do país, fez uma reunião para determinar seus objetivos de longo prazo. Durante a reunião, Takanori Tanaka, que dirige o Centro de Engenharia da Energia Nuclear, parcialmente patrocinado pelo governo, mostrou aos comissários um arquivo de PowerPoint defendendo novas tecnologias que reduzissem "o risco residual relacionado a terremotos e tsunamis", segundo documentos anexados às minutas da reunião.

A apresentação de Tanaka se concentrou em como melhorar os sistemas de reserva para os reatores futuros, como parte de uma proposta mais ampla visando abrir caminho para uma nova geração de usinas mais seguras.

"A Comissão de Segurança Nuclear estava apenas começando a discussão inicial sobre a necessidade de instalar mais sistemas de segurança no resfriamento de futuros reatores", disse Tanaka ontem, por telefone, ao Wall Street Journal. Um porta-voz da comissão não quis fazer comentários.

Em janeiro, a japonesa Hitachi, uma das principais fabricantes de usinas nucleares do pais, descreveu as vantagens de reatores com um sistema de resfriamento de reserva que não dependesse de eletricidade. No jornal interno da empresa, a Hitachi afirmou que estava "conseguindo a cooperação das empresas elétricas e do governo" para construir uma nova geração de reatores que "permitiria reagir a um blecaute de longo prazo".

Yuichi Izumisawa, porta-voz da Hitachi, disse ontem: "Não achamos que haja problemas de segurança" com reatores em uso atualmente, mas a empresa está desenvolvendo "algo ainda melhor".

O texto da Hitachi se referia especificamente a uma ideia antiga que voltou a receber atenção nos últimos anos: um aparelho engenhoso mas simples chamado "condensador de isolamento".

O condensador funciona assim: se o núcleo do reator aquecer demais, o condensador recebe o vapor que sobe naturalmente e o conduz por um tanque de água fria sem precisar de eletricidade. O aparelho alivia a pressão do núcleo do reator, embora só possa ser usado por alguns dias porque sua piscina também acaba esquentando e se dissipando em vapor.

Dos seis reatores de Fukushima Daiichi, apenas o número 1 - o primeiro a ser construído, em 1971 - tinha um condensador. A Tepco informou que o aparelho, instalado na construção da usina, funcionou logo após o terremoto, mas acabou parando. Um porta-voz da Tepco disse que não sabe por que o condensador parou de funcionar. Especialistas dizem que o calor dentro do reator nº 1, bem menor que os reatores mais modernos, pode ter ultrapassado a capacidade do condensador.

Engenheiros nucleares dizem que o setor tem passado por mudanças de ordem filosófica no decorrer das décadas. Os primeiros reatores, como o nº 1 de Fukushima Daiichi, tinham um condensador de isolamento. Ele é conhecido como um sistema "passivo", que funciona sem eletricidade externa. Os reatores mais novos adotaram sistemas "ativos" que dependem de bombas elétricas e outros equipamentos, geralmente com sistemas de reserva que os engenheiros acreditavam que ofereceriam mais proteção contra superaquecimento ou falhas mecânicas.

Hoje, os sistemas passivos estão em voga de novo. A GE e a Hitachi, que têm uma aliança mundial em tecnologia de reatores, usam condensadores de isolamento em seus projetos mais recentes. O condensador é parte de um reator para o qual a empresa está tentando conseguir certificação nos EUA.

De acordo com os planos japoneses que estavam sendo discutidos nos últimos meses, os novos reatores não teriam sistemas reserva de resfriamento passivo e ativo, mas só a nova geração de condensadores passivos. Segundo o texto da Hitachi, o condensador seria usado no lugar do outro sistema reserva. O texto afirma que eliminar a reserva ativa seria econômico e facilitaria a manutenção do reator.