Título: Novo partido político nasce com muitas fragilidades
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2011, Opinião, p. A12
Se fosse PDS, o partido que o prefeito Gilberto Kassab montou para o seu uso teria o mesmo nome daquele que sucedeu a Aliança Renovadora Nacional (Arena) da ditadura quando acabou o bipartidarismo, em 1979, seis anos antes do término do regime militar. Mas é Partido Social Democrático, o que remete à sigla PSD, filha conservadora, porém conciliadora, do getulismo, apoiada à esquerda pelo antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
O PSD esteve no poder desde a sua criação, em 1946, após a Constituinte que sepultou a ditadura de Getúlio (1930-1945), e veio a ser o mais importante aliado do governo democrático de Vargas (1951-1954), quando o velho caudilho ascendeu pelo voto das massas, abrigado no PTB. Com uma única exceção: de outubro de 1960 a agosto de 1961, no curto governo de Jânio Quadros, da UDN, quando, alijado do poder, ainda assim mantinha posições na estrutura burocrática do governo. Apenas parte do conservador PSD se opôs à ditadura militar. Em 1966, quando o regime acabou com os velhos partidos, boa parte da agremiação cedeu sem traumas e inflacionou os quadros da Arena. O MDB, que vinha a ser o único partido legal de oposição pelos 13 anos seguintes, teve grandes dificuldades de se constituir no cenário partidário pelos formuladores que usavam quepes.
A UDN, que rivalizava com o PSD no pós-Estado Novo, é até hoje a referência das oposições democráticas brasileiras. Foi uma oposição de retórica violenta que, levada pelo próprio discurso, acabou à direita do espectro político, embora tenha sido criada por quadros progressistas que lutavam contra a ditadura de Vargas. A virulência oposicionista do udenismo levou o partido a uma aliança com os militares, em 1964, no golpe de Estado que tirou do poder o vice de Jânio, o petebista João Goulart. O que depois levou parte do partido ao arrependimento, quando os militares adiaram as eleições diretas para presidente por tempo indeterminado e proscreveram todos os partidos da velha ordem, em 1966.
É entre esses dois paradigmas do passado que o PSD do prefeito Gilberto Kassab se debate. Os organizadores da nova legenda lembram Juscelino Kubitschek, o desenvolvimentista, e alegam que homenageiam o mais hábil dos políticos brasileiros. Saem do DEM, antes PFL, organicamente comprometido com a ideologia liberal, do lado econômico; e, do lado político, uma reedição da velha UDN. Criam o PSD, que pretende ser da base de apoio da presidente Dilma Rousseff e, mais tarde, incorporar-se ou coligar-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). Se conseguir importância no quadro partidário, e mantiver a sua identidade, porém associando-se ao PSB, Kassab tenta a fórmula PSD tal como foi no passado: fica ao centro, tentando cooptar chefes políticos do DEM ou abrigados em outros partidos tradicionais e garante a "governabilidade" de uma gestão pessebista na Presidência, no futuro, e se credencia como seu melhor parceiro. Até lá, arruma um lugar no quadro político em que não se incompatibiliza com o governo - e a ajuda do governo federal garante a ele poder de barganha com chefes regionais para negociar a adesão à nova legenda.
Não é nada diferente do que o PMDB tem feito, à la PSD, desde a redemocratização do país, em 1985. O problema, todavia, é que o PMDB já existe, e bem ou mal tem acomodados os seus chefes políticos regionais, num acordo interno que prevê a constituição de uma legenda nacional como uma federação de partidos regionais. As lideranças que vêm sendo arregimentadas pelo PSD são dissidências regionais dos grandes partidos, que procuram espaços próprios, que as libertem da dependência dos políticos donos de redutos tradicionais de votos.
A grande liderança nacional da nova legenda, o próprio Kassab, nunca teve expressão fora de São Paulo. Embora seja o gestor do maior orçamento municipal do país, mesmo em São Paulo sobreviveu como uma sublegenda do PSDB, que é hegemônico na política local. O PFL não existia em São Paulo antes de aliar-se a José Serra - nem quando Kassab era secretário de Celso Pitta, ligado a Paulo Maluf, uma liderança conservadora forte no Estado -, o DEM existiu no Estado mais rico da federação vinculado a Serra e não há indícios de que consiga ser uma alternativa à polarização PSDB-PT do eleitorado paulista abrigado num partido que construiu para fazê-lo caminhar da direita ao centro sem ser uma mera adesão ao governo federal. A expectativa que se criou em relação ao novo partido de Kassab tem todas as chances de ser apenas um balão ao vento, e cuja fragilidade poderá levá-lo ao chão antes mesmo de ter alçado voo.