Título: Como fazer mais com menos na saúde :: Claudio Luiz Lottenberg
Autor: Lottenberg, Claudio Luiz
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2011, Opinião, p. A12

Historicamente, política também é feita de máximas, bordões e frases de impacto. Uma boa ideia ou um disparate, dependendo do momento ou das circunstâncias em que é dito, tem um poder de repercussão às vezes maior do que um fato concreto. Pode gerar discussões acaloradas, consagrar conceitos e destruir outros, criar expectativas, levantar dúvidas e até mobilizar.

O governo da presidente Dilma Rousseff começa com a promessa de "fazer mais com menos". A expressão, de certa maneira, traduz uma espécie de anseio nacional em relação à administração pública, seja federal, estadual ou municipal. Há um consenso no país que a gestão de recursos públicos é ineficiente ou perdulária. Ressalvadas as exceções que confirmam a regra, em geral todos têm a sensação de que pagamos impostos ou taxas demais diante do que o poder público proporciona de retorno para a sociedade. Ao anunciar tal máxima, a presidente promete uma gestão mais voltada à racionalização de processos, maximização de recursos e eficiência operacional, ao invés de buscar ganhos adicionais de receita no bolso do contribuinte. Desta vez, o bordão veio acompanhado de uma medida inteligente: a criação de um conselho de gestão e competitividade, inspirado no modus operandi das práticas de governança corporativa do setor privado.

Porém, entre o anúncio e o surgimento dos primeiros resultados, há um enorme desafio, em especial na área da saúde, onde o "menos" do referido bordão presidencial torna-se, a cada dia, "ainda menos", pois a maior parte da fatia dos recursos consumidos pela área não pertence mais às instituições ou aos profissionais do meio. Milhões e milhões de reais antes destinados a quem faz o atendimento médico e lida diretamente com os pacientes agora ficam com terceiros, envolvidos num "core business" diferente, onde o interesse com o "business" bate mais forte do que com o "core". Em alguns casos são poderosos conglomerados econômicos, para os quais os indicadores de desempenho não estão de maneira alguma relacionados ao controle de doenças ou às condições de saúde da população, e sim ao movimento das bolsas de valores ou à pulsação do mercado financeiro internacional. Essa é uma realidade perversa que merece mais atenção dos governantes, por limitar drasticamente os recursos efetivamente destinados à saúde pública.

Para "fazer mais com menos", o Brasil terá de lançar mão de algumas medidas de gestão avançada para conseguir atender à teoria da curva da flecha lançada para o alto da presidência da República na área da saúde, que conta com um orçamento de cerca de R$ 70 bilhões para 2011. Entre vários objetivos, há a intenção de se construir 500 unidades de pronto-atendimento, mesmo com recursos insuficientes - a verdade é que o Sistema Único de Saúde (SUS) precisa de uma verba na casa dos R$ 100 bilhões, no mínimo, para este ano, acompanhada de medidas de otimização de custos focadas em processos.

Hoje, para se ter uma ideia, os custos relativos a serviços de internação correspondem a quase 70% do gasto hospitalar. Investimentos em prevenção, "home care" e medicina ambulatorial diminuiriam consideravelmente esse ralo, especialmente se considerarmos o rápido envelhecimento populacional. Estima-se que cerca de 30% das internações poderiam ser resolvidas com serviços ambulatoriais. Isso é resultado das deficiências da atenção primária.

Um estudo do Banco Mundial demonstra que a infraestrutura hospitalar no Brasil é suficiente, mas desorganizada e subutilizada. O Brasil conta com cerca de 8 mil unidades hospitalares - o que corresponde a mais de meio milhão de leitos. Os leitos públicos correspondem a 35% do total. A urgência por melhorias passa pelo desenvolvimento da malha já existente, com gestão qualificada. O novo conselho deverá ponderar as juras de campanha que sempre preveem a construção de mais unidades como única saída para resolver os complexos problemas da saúde.

Conceitualmente, o SUS é um bom projeto e realizou diversas ações lúcidas, como o Programa Saúde da Família (PSF) e a sistematização do Atendimento Médico Ambulatorial (AMAs), mas está carente de um Plano Diretor, ou seja, um programa estratégico que busque resolver questões cruciais com uma visão mais ampla e estruturante.

Entre os diversos pontos de atenção que um planejamento estratégico para a saúde pública precisa contemplar, destaca-se a necessidade do desenvolvimento de um programa de racionalização da rede hospitalar, envolvendo diretrizes de equilíbrio entre desempenho qualitativo e destino de recursos.

O esforço governamental deve reconhecer o problema da supervalorização do hospital clássico como única forma de oferecer à população atendimento médico satisfatório. Isso indica que o PSF precisa ser ampliado e aperfeiçoado. Mostra também que a tecnologia da informação permite atribuir funcionalidade a dados coletados, como considerar a distribuição geográfica e socioeconômica-cultural das necessidades e oferta dos serviços de saúde e atender a demandas específicas sem jogar dinheiro fora.

Um Plano Diretor permite que a série de ações necessárias à saúde pública não se torne um acumulado de medidas isoladas, que acabam por resolver problemas sem hierarquização de prioridades e sem a construção de alicerces para evitar o desperdício.

São em modelos de viabilização desses princípios que o setor público se beneficia da alta capacidade de gestão do setor empresarial. O governo deve buscar o conhecimento técnico necessário no setor privado, que se baliza por práticas mais consolidadas e testadas em grandes empresas do mundo. Para transcendermos o discurso, a parceria público-privada na saúde, criada em 1990 na Inglaterra (e rapidamente estendida para Europa, Canadá, Austrália e África) é a principal maneira de tornar tangível o "mais com menos". Isso porque oferece meios testados e eficazes de garantia de bom desempenho, acompanhamento de processos e resultados.