Título: Lei afronta a presunção da inocência
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 25/03/2011, Política, p. A10

A Lei da Ficha Limpa será bombardeada até as próximas eleições, prevê Saul Tourinho Leal, professor de direito constitucional do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb). Há brechas na lei e o próximo ponto constitucional a ser questionado deve ser o da presunção da inocência, diz Leal. A seguir, trechos da entrevista: Valor: Como o senhor analisa a decisão do Supremo?

Saul Tourinho Leal: A decisão não causa qualquer perplexidade, nem comoção. Ela segue a jurisprudência da Casa. A maioria dos magistrados seguiu uma decisão que o Supremo já tinha em relação ao artigo 16 da Constituição, que fala que não se pode mudar regras eleitorais em até um ano antes da eleição. Quando o Supremo avaliou a Emenda Constitucional 52, de 2006, que acabou com a verticalização das coligações partidárias, definiu que o artigo 16 é um direito fundamental do eleitor e do candidato. O Supremo já tinha a posição de prestigiar esse artigo. Na sessão de ontem [quarta-feira] a maioria seguiu esse precedente.

Valor: A lei é constitucional?

Leal: Vejo dispositivos que poderão ser tidos como inconstitucionais. A lei diz que a pessoa tiver tido alguma condenação não pode participar do processo eleitoral. Isso já desperta questionamento porque se evoca o princípio da presunção da inocência. Alguém só pode se ver privado do acesso a direito por uma sentença penal transitada em julgado, ou seja, quando não cabe mais recurso. Outro ponto trazido pelo ministro Gilmar [Mendes] seria o dispositivo que veda a participação de políticos que tenham renunciado ao mandato para escapar de cassação. Isso teria se voltado para perseguir figuras específicas na política. Se existe esse tipo de intenção de retaliar, isso pode tornar uma lei inconstitucional. A Lei da Ficha Limpa tem valor, mérito. Isso não se questiona. Mas há brechas.

Valor: Se os ministros tivessem baseado o voto na presunção da inocência a lei teria caído?

Leal: O julgamento basicamente se prendeu a dois artigos: uma corrente [dos magistrados] ao 16 e a outra ao que trata do caput do artigo 37, sobre moralidade, impessoalidade, vida pública limpa. Não tenho dúvidas de que os próximos julgamentos -e vão existir, porque o debate não acabou - vão tocar em outros princípios constitucionais. O primeiro é a presunção da inocência.

Valor: Qual o futuro da lei?

Leal: Ela será contestada. Temos eleições daqui a dois anos e nesse intervalo a lei continuará a ter ataques. Não mais em relação a sua aplicação nas eleições de 2010, mas quanto a outros dispositivos. A discussão sobre a constitucionalidade da lei não acabou. Foi a porta de entrada.

Valor: Qual o limite do ativismo judicial?

Leal: Todo processo político brasileiro está na Constituição: dos partidos à periodicidade das eleições. Cabe ao Supremo, como guardião da Constituição, dar a palavra final. Os políticos ficam incomodados com a atuação do Supremo, achando que o tribunal está passando de suas competências, entrando em campo que não lhe diz respeito. Essa tensão entre Legislativo e Judiciário surge porque o Supremo é independente para exercer a guarda da Constituição.