Título: Brecha para excluir catadores da coleta
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 09/08/2010, Brasil, p. 8

Ministério admite que a lei de resíduos sólidos sancionada por Lula precisa ter dispositivos regulamentados para evitar conflitos entre cooperativas e empresas coletoras de lixo

Convidados de honra para a sanção da Política Nacional de Resíduos Sólidos, os catadores de materiais recicláveis podem continuar excluídos dos programas de coleta seletiva nas capitais brasileiras e em cidades de médio porte. A nova legislação, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segundafeira passada, prevê que os catadores participem mais ativamente dos processos de reciclagem, que ganha importância com a nova lei. Mas o próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA) reconhece que, enquanto não houver a regulamentação de dispositivos da política de resíduos sólidos, deve persistir o conflito entre cooperativas de catadores, prefeituras que instituem programas de coleta seletiva e empresas responsáveis pela coleta do lixo.

Os 800 mil catadores de papel brasileiros são os principais responsáveis pela reciclagem feita hoje no país. Por iniciativa exclusiva dos municípios, apenas 3% dos resíduos sólidos produzidos no Brasil são reciclados.

Os catadores ampliam esse índice para 12%. Por isso, são citados diversas vezes no texto da lei que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ainda não se sabe como será definida a participação das cooperativas de catadores na nova política para o lixo. O presidente Lula cobrou que a lei seja regulamentada em, no máximo, 90 dias.

A exclusão dos catadores é um risco, como já acontece em algumas capitais. Há, de fato, uma disputa entre catadores e empresas coletoras de lixo, ressalta o secretário de Recursos Hídricos e AmbienteUrbano do MMA, Silvano Silvério da Costa. O secretário foi um dos principais responsáveis pelo texto da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que proíbe a formação de lixões a céu aberto, obriga a construção de aterros sanitários e coloca a deposição dos resíduos em aterro como a última opção para o tratamento do lixo. Antes dessa etapa, os materiais recicláveis devem ter o tratamento necessário para ser reaproveitados. É nesse ponto que os catadores podem ser beneficiados pela nova lei.

A experiência mostra, no entanto, que as prefeituras costumam rivalizar com os catadores assim que são implementados os programas de coleta seletiva. A separação do lixo reciclável, por iniciativa dos municípios, tira dos catadores a atribuição. Faltam cooperativas para tantas famílias e, muitas vezes, não há acordo sobre a nova função a ser desempenhada por esses trabalhadores informais.

Gestão Entre as medidas do novo plano, que tramitou 21 anos no Congresso, estão o incentivo à formação de novas cooperativas de catadores, a maior participação desses trabalhadores nos programas de coleta seletiva, a inclusão dos grupos nos planos municipais de gestão do lixo e a contratação das cooperativas com dispensa de licitaçãopara os serviços municipais de limpeza urbana.

Além disso, os catadores devem fazer parte das iniciativas de logística reversa, uma das principais novidades da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

As embalagens de diferentes produtos, como pilhas e baterias, devem ser recolhidas pelos fabricantes, e os catadores devem participar desse processo, conforme a lei sancionada por Lula. O texto não detalha como isso vai ocorrer, o que depende de regulamentação. Os acordos setoriais que já fazemos, para a implementação da logística reversa, incluem o poder público e os catadores, afirma Silvano Silvério, do MMA. Ele sugere, por exemplo, que o repasse de recursos daUnião para os municípios leve em conta a inclusão dos catadores nos planos municipais de resíduos sólidos.

Outra preocupação é com a incineração do lixo. Antes, o projeto colocava a possibilidade como o último recurso. Agora, pelo texto sancionado na segunda-feira, a incineração pode ser utilizada para aproveitamento energético.

Os catadores temem perder resíduos recicláveis nesse processo.

Estamos preocupados com a incineração. Isso pode retirar recicláveis das mãos dos catadores, diz Severino Lima Júnior, representante doMovimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR). Para Silvano Silvério, não há motivo para preocupação.

Não haverá materiais recicláveis nos incineradores, e haverá um controle ambiental para esse aproveitamento energético.

Potencial subestimado A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que haverá R$ 1,5 bilhão a partir de 2011 para financiar projetos de reciclagem e tratamento do lixo.

Segundo ela, o potencial econômico da reciclagem pode passar dos atuais R$ 2 bilhões para R$ 8 bilhões. Hoje, são os catadores que retiram das ruas o lixo que a gente produz, disse.

Izabella lembrou que só 7% dos municípios implementaram a coleta seletiva. O Correio mostrou, em 12 de julho, que, entre 2007 e 2009, caiu a quantidade de cidades com seleção de recicláveis.