Título: Torcida com o bolso alheio
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 09/08/2010, Economia, p. 10

A falta de limites das operadoras de planos de saúde é cada vez maior. Na mesma semana que em o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) revelou que os reajustes dos contratos nos últimos 10 anos passaram de 200%, a Unimed, uma das maiores empresas do setor, anunciou que pagará R$ 9 milhões por ano em salários ao jogadorDeco, do Fluminense. Isso, sem contar os R$ 10 milhões que despeja todos os anos no caixa do clube cariocaemforma de patrocínio e das remunerações a outros atletas que ninguém sabe quanto custam.

Que a direção daUnimed torça fervorosamente para o Fluminense, tudo bem.Mas convenhamos: diante da péssima qualidade dos serviços prestados pela companhia, dos preços absurdos de seus planos e da mixaria que paga aos médicos conveniados, é um acinte tamanho desprendimento com uma agremiação futebolística.

Por mais que a empresa diga que não incorpora tais desembolsos como custos na hora de pedir reajustes para seus planos à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é difícil acreditar na benemerência.De uma forma ou de outra, aUnimed repassará os salários de Deco e os patrocínios ao Fluminense a seus clientes. São eles, na verdade, que bancarão os gestos caridosos da empresa por meio de mensalidades maiores.

Mesmo que não sejam informados disso.

Os órgãos de defesa do consumidor, conforme mostrou a bela reportagem de GustavoHenrique Braga na edição de ontem do Correio Braziliense, vêm alardeando sobre a falta de transparência na definição dos reajustes dos planos de saúde.

Mesmo sendo obrigada a dar visibilidade aos números, a ANS se faz de morta. Limita-se a declarar que os percentuais de aumento são definidos com base naVariação dos Custos Médico Hospitalares (VCMH), que ninguém sabe o que é e se os números apresentados pelas operadoras são consistentes.

Abusos constantes Transparência mesmo se vê na péssima prestação de serviços pelas operadoras. Há casos de usuários que saem de casa para um exame de cateterismo, mas o procedimento indica a necessidade imediata de uma angioplastia, ou seja, a introdução de stents nas coronárias. Emvez de autorizaremimediatamente a operação, as operadorasexigemtempopara analisar os pedidosmédicos.

A avaliação pode, porém, demorar dias ou semanas e os pacientes, morrerem.

O descaso é tanto que uma simples consulta pode levar até sete meses para ser concretizada. Isso acontece porque, devido ao baixo valor, os médicos priorizam os que podempagar pelo atendimento.

Os que dependem dos planos são constantemente jogados para o fim da fila, mesmo os urgentes.

A vida, nesses casos, é mero detalhe.

Tudo isso acontece sob a complacência da ANS e da legislação. Se os consumidores estiverem presos a contratos antigos e coletivos, livres da regulamentação fixada por meio da Lei nº 9656/1998, a situação é ainda pior, pois só cabe a ANS cruzar os braços e assistir aos abusos de camarote.

Isso, mesmo os planos coletivos representando cerca de 70% do total de contratos no Brasil.

IntervençãonaANS O governo até que tentou impor um revés às operadoras, instituindo o sistema de portabilidade nos planos de saúde.Ou seja, aqueles que se acham mal atendidos têm a prerrogativa de mudaremde empresaembusca de mais respeito.Mas, passadoumano, apenas 1.290 pessoas recorreramao mecanismo.

Motivo: as companhias criam enormes dificuldades para permitir a transferência. Não aceitam, de forma nenhuma, liberar os prazos de carência para consultas, exames e cirurgias.

Diante desse quadro, não resta outra alternativa.AANSdeve seguir à risca a missão que justificou a sua criação: garantir os direitos aos usuários de planos de saúde e punir com rigor as empresas.Mantida a farra atual, será a agência que precisará passar porumamplo processo de regulação e de fiscalização.

O relatório de Mantega Mudando de assunto, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgará, amanhãse nada sair do controle a primeira versão de um documento periódico, seguindo o modelo do Relatório Trimestral de Inflação do Banco Central.

Na visão do ministro, não se trata de uma competição para saber qual órgão do governo faz as melhores análises da economia.

A ideia é difundir, com maior substância, a visão da Fazenda, que, ressalte-se, fez a análise mais consistente sobre os rumos da inflação e anteviu que os índices cederiam, depois de iniciarem o ano em disparada por causa de choques nos preços dos alimentos.Oministério tende a mostrar, no seu relatório, projeção de 5,2% para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) neste ano, mas indicará a possibilidade de o indicador fechar 2010 abaixo de 5%, mais próximo do centro da meta perseguida pelo BC, de 4,5%.

A Fazenda reforçará, também, que a economia perdeu força, fato que será confirmado pelo fraco resultado da produção industrial de julho, mesmo com o setor automobilístico apontandobomdesempenho.

Nas projeções do ministério, o crédito continuará crescendo, puxado pelos desembolsos direcionados, tendo à frente o BNDES, cravando, em dezembro, 48,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

VICENT ENUNES É EDITOR DE ECONOMIA