Título: Dificuldade dos bancos portugueses pode agravar quadro econômico do país
Autor: Jenkins, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2011, Finanças, p. C2

Com o aprofundamento das mazelas políticas e econômicas de Portugal, os investidores perguntam se os bancos do país solucionarão seus problemas de forma tão dramática quanto a Irlanda, o último país da zona do euro a ser alvo de uma operação de salvamento. "A situação portuguesa não ajuda em nada, ninguém a quer, mas ela é um fato", diz Luis Luna Vaz, codiretor da área de banco de investimentos do Banco Espírito Santo, a maior instituição portuguesa em capitalização de mercado.

Por um lado, Luna Vaz está convencido de que o setor bancário do país não enfrenta os mesmos problemas que seus pares de outros países periféricos da zona do euro. "O setor financeiro português não tem nenhuma bolha imobiliária, nenhum problema de ativos tóxicos para administrar", diz ele. Mas ele não deixa de ser realista. "Estamos passando por uma crise soberana. E isso significa que há escassez de liquidez."

O acesso dos bancos aos recursos é que é o maior problema. Com disponibilidade próxima de zero a recursos em bônus ou nos mercados interbancários no último período de um ano ou mais, Portugal se tornou o quarto maior usuário de liquidez emergencial do Banco Central Europeu (BCE), ao tomar ¿ 41,1 bilhões (US$ 58 bilhões) em fevereiro, atrás de Irlanda, Grécia e Espanha. As raízes dessa dependência estão na rapidez da expansão econômica de Portugal. "Houve um enorme surto de crescimento do crédito quando Portugal aderiu ao euro, e isso puxou tremendamente para cima o endividamento do setor privado", diz Caragh Quinn, analista do setor bancário da Nomura.

Uma das consequências disso foi os bancos assistirem à vertiginosa escalada de sua relação empréstimos sobre depósitos. O Banco Espírito Santo é figura em primeiro lugar nesse grupo, ao computar uma relação próxima a 200% há aproximadamente um ano atrás. Os outros bancos com ações negociadas em bolsa, o Banco Comercial Português e o Banco BPI, têm carteiras de empréstimos que ultrapassam seus depósitos em cerca de 50%, embora esses coeficientes estejam se reduzindo rapidamente, num momento em que os bancos, novamente liderados pelo Banco Espírito Santo, diminuem agressivamente suas exposições ao crédito e se empenham em aumentar os depósitos.

Isso levou a uma guerra de preços pelos depósitos, principalmente por depósitos corporativos, com taxas que vão atualmente de 4% a 5%. Os esforços para administrar esses desequilíbrios entre ativos e passivos correm o risco de serem deixados à margem pelo acúmulo de problemas com que Portugal se defronta, dizem os analistas.

Embora os dirigentes dos bancos enfatizem a ausência de problemas óbvios em termos de ativos, as carteiras de crédito tendem a passar por sérias dificuldades ao longo dos próximos anos. "A aceleração da projetada queda do PIB a partir das estimativas anteriores de crescimento zero para -1 ou -1,5% vai reduzir o consumo e os investimentos do setor público e levar ao aumento do desemprego", diz um analista. "Isso significa que a qualidade do crédito vai sofrer um pouco."

Embora qualquer aumento da taxa de juros pelo BCE ajudaria os bancos a melhorar as margens de lucro, ele poderia também intensificar fortemente a inadimplência frente aos contratos de crédito, em vista da situação delicada por que passa a economia. O BES e o BCP deveriam ser protegidos, dizem os analistas, com uma média de provisões de 3,4% do total dos empréstimos, comparativamente ao coeficiente de equivalência de 2,6% vigente na Espanha.

A outra grande preocupação dos bancos é sua carteira de papéis soberanos portugueses, em vista da queda vertical de seu valor de mercado e da possibilidade de reestruturação pós-salvamento. Analistas dizem que os bancos têm grande exposição a papéis dos governos da zona do euro, liderados pelo BPI, cujo portfólio de títulos soberanos portugueses responde sozinho por cerca de 10% dos ativos.