Título: Novas regras definem temas polêmicos
Autor: Capozoli, Rosangela
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2011, Especial Ferrovias, p. F2

Em menos de dois meses o novo marco regulatório para o setor ferroviário entrará em vigor. Depois de colocar em consulta pública uma resolução com novas regras para o transporte ferroviário de cargas, a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) submeterá o decreto a uma audiência pública, no mês de abril, antes da edição da resolução. Dois temas estão entre os mais polêmicos: o direito de passagem e o novo modelo desenhado pela agência para que outras empresas possam utilizar a estrutura de terceiros mediante pagamento de uma taxa. Invasão ao longo dos trilhos e expansão da malha também são assuntos que serão regulamentados. "Nosso cronograma prevê que até o dia 15 de maio essas resoluções sejam aprovadas", afirma Bernardo Figueiredo, diretor geral da ANTT.

A agência defende uma separação de papéis, criando duas figuras distintas. De um lado o gestor da malha ferroviária e de outro os operadores ferroviários. O gestor seria responsável pela construção e administração das novas ferrovias. Para os operadores, caberia comprar capacidade de transporte para trafegar livremente suas cargas, o que ampliaria o espaço de atuação das atuais concessionárias de ferrovias e permitiria a entrada de novos operadores no mercado.

"A ANTT está propondo uma regra que obrigue a empresa a definir qual é o plano de exploração de toda a malha. Hoje está fixada uma meta geral de transporte, mas ela acaba sendo cumprida em apenas alguns trechos", reforça Figueiredo. Ainda segundo o diretor geral da agência, o novo marco exigirá "que sejam fixadas metas para todos os trechos da malha".

O diretor da ANTT estima que 67,8% da malha total, de 28 mil quilômetros, é subutilizada ou não opera. Hoje, o direito de passagem existe, mas depende de acordo entre as empresas. Quando ele não ocorre, a carga precisa ser transferida do trem do usuário para o trem da operadora para seguir na malha da concessionária. O direito de passagem, consiste na autorização, por parte de uma concessionária de ferrovias, para que um usuário que possua um trem próprio possa passar por sua malha mediante pagamento.

"Se os 28 mil quilômetros estivessem em plena operação o cenário seria de alta produção. Os custos médios cairiam em função da duplicação da produção com reflexos no custo do frete e do produto para o consumidor", afirma Luiz Henrique Teixeira Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários de Transportes de Cargas (Anut). Ele observa que "muitas vezes existem trechos ferroviários que o usuário quer utilizar e não pode, obrigando o uso das rodovias que estão em estado precário". A crítica mais forte do governo ao atual modelo de concessões se refere às dificuldades de integração da malha, por causa da fragmentação dos trechos geridos por diferentes operadores. Isso cria dificuldades para os usuários e limita o acesso das cargas.

Um exemplo que ilustra bem esse cenário é o do complexo portuário santista, onde as ferrovias que chegam nas suas proximidades precisam "conversar" com a MRS, concessionária da ferradura de 16 quilômetros que dá acesso às duas margens do principal porto da América Latina. Segundo Figueiredo, a exclusividade em cada trecho estará atrelada à meta de volume transportado que, a partir de agora, será definida por cada concessionário. "O concessionário terá autonomia para definir meta, mas o que não for alcançado estará livre para ser usado no direito de passagem, desde que remunerando a concessionária", explica.

Além disso, a ANTT poderá retomar trechos considerados inativos ou abandonados, o que até então dependia da devolução voluntária das concessionárias. "Estamos estabelecendo uma regra que facilita o cumprimento dessa obrigação contratual", garante.

Teixeira Baldez, da Anut, observa que as resoluções sofreram uma série de sugestões e ajustes feitos por várias entidades do setor. "O novo marco regulatório é mais que necessário para equilibrar a relação entre o governo e os usuários. Portanto, apoiamos integralmente as resoluções colocadas em consulta pública pela ANTT", afirma.

O presidente da Anut acredita que daqui para frente o usuário passará a ter capacidade de negociar com outro transportador, alcançando um preço melhor. Hoje, essa condição não existe e o usuário fica refém da concessionária. Com o novo marco regulatório haverá clareza sobre quem vai gerir a infraestrutura e quem vai ser o operador ferroviário. "Existe uma empresa para gerir o negócio e várias empresas operando. Escolho a passagem mais barata e uso a mesma via que o país construiu", resume.