Título: BC tem mais cartas para jogar, se for preciso
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2011, Brasil, p. A2

Para cumprir a meta de inflação de 4,5% em 2012 o Banco Central fará o que for preciso. Essa foi a principal mensagem que a instituição quis passar aos mercados quando escreveu, na página 94 do Relatório de Inflação, divulgado na quarta-feira, que "a estratégia de política monetária pode eventualmente ser reavaliada, em termos de sua intensidade, de sua distribuição temporal ou de ambos".

Uma interpretação qualificada do relatório traduz da seguinte forma esse trecho: " O BC agirá com os instrumentos necessários pelo tempo que for preciso" para atingir essa que é uma meta não só dele, mas do governo. Com que novas medidas e em que direção, as circunstâncias é que vão ditar. Não há nada no relatório que indique, por exemplo, que o atual ciclo de aumento dos juros está encerrado.

Outro aspecto relevante da discussão, para a qual algumas fontes graduadas do governo chamam a atenção, é para o fato de que no período de um ano a taxa de juros básica aumentou 300 pontos-base - saiu de 8,75% em março de 2010 para 11,75% ao ano hoje - o que não é um acréscimo desprezível. Só neste ano foram 100 pontos, elevação que os demais países que também estão padecendo do aumento da inflação não fizeram.

Na zona do euro, a taxa de inflação foi a mais alta desde outubro de 2008. O Índice de Preços ao Consumidor (CPI) em 12 meses, até março, subiu 2,6%. Na França, o aumento dos preços foi de 6,3% em 12 meses até fevereiro. O Banco Central Europeu (BCE), porém, vem mantendo os juros básicos em 1% ao ano desde maio de 2009. A expectativa, agora, é de que o BCE aumente a taxa na reunião do dia 7. Esse é um argumento que mostraria que, no Brasil, o Copom está à frente na batalha contra a inflação, assinalam.

O arsenal usado em campo ficou mais diversificado: além da elevação da taxa Selic, há o conjunto de medidas para frear a expansão do crédito (macroprudenciais) e o governo parece determinado a cumprir a meta de superávit primário consolidado do setor público, de R$ 117 bilhões este ano.

No primeiro bimestre, o superávit somou R$ 25,66 bilhões, sendo que os R$ 7,9 bilhões apurados em fevereiro foram recordes para o mês. É certo que os maiores esforços vieram dos Estados e municípios, com saldo de R$ 4,7 bilhões, o que pode ser atribuído ao costumeiro freio de arrumação do primeiro ano de novos governadores. Mas isso não altera o efeito sobre a demanda agregada, que é o que interessa para a política de controle da inflação.

Para este ano, a previsão é de que o IPCA termine em 5,6%, depois de no terceiro trimestre furar o teto da meta, chegando à casa dos 6,6%. A queda do penúltimo para o último trimestre ocorrerá "pelo que já foi e pelo que ainda será feito" em medidas do governo, acenaram alguns técnicos.

Quando avalizou a tributação dos empréstimos externos, contratados por empresas e bancos, com um IOF de 6%, o Banco Central avaliou que por esse canal corria um vazamento da política monetária. Em apenas dois meses - janeiro e fevereiro - ingressaram no país mais de US$ 100 bilhões brutos. Em termos líquidos, foram US$ 34,5 bilhões. Dinheiro que os bancos captaram no mercado externo, ao custo de 3% ao ano, para emprestar internamente para capital de giro, crédito consignado e para financiar o consumo, dentre outras modalidades.

O mercado de crédito está sendo monitorado com lupa. O BC quer saber se há algum tipo de imprudência bancária, principalmente no crédito imobiliário, que possa vir a gerar, no futuro, algum quadro mais agudo de inadimplência.

O cenário internacional continua preocupante e requer uma análise mais profunda e sofisticada, conforme sublinhou o presidente do BC, Alexandre Tombini, em dois pronunciamentos no mês de março (no Senado e na Federação Brasileira de Bancos). A abundância de liquidez é imensa e qualquer movimento, numa economia razoavelmente aberta como a brasileira, atrai moeda estrangeira e aprecia mais o câmbio.

O BC afirma que tem apenas um objetivo - cumprir a meta de inflação de 4,5% em 2012 - e vários problemas (como os vazamentos da política monetária). Para lidar com eles, usará de instrumentos distintos.

Um dos problemas que o relatório de inflação não menciona refere-se ao aumento de cerca de 14% do salário mínimo em 2012. "Isso já está na conta", assegurou um economista do governo.

A despeito dos esforços da autoridade monetária para administrar as expectativas e dos comunicados repassados pelo relatório de inflação, as dúvidas e descrenças do mercado permanecem. Os menos pessimistas avaliam que o BC aumentou a aposta de forma agressiva. O que no jogo de pôquer seria colocar todas as fichas na mesa.

No governo, fontes importantes ressaltam que o arsenal de medidas não se esgotou, nem o BC abdicou dos juros como instrumento relevante de política monetária.

A inflação em abril ainda será elevada. O governo não contava com o choque adicional de 10% nos preços das commodities no primeiro bimestre. A partir de maio espera-se que o IPCA mensal caia para o intervalo de 0,35% e 0,40%. A inflação acumulada em 12 meses, porém, vai superar o teto da meta, de 6,5%, no terceiro trimestre. Na previsão do BC, porém, ela cairá para 5,6% no último trimestre do ano com a ajuda do efeito estatístico. Entre outubro e dezembro de 2010 a inflação acumulada foi de 2,3%, o que não deve se repetir este ano.

A direção do BC sabe que apenas com resultados concretos conquistará a confiança dos mercados. Até lá - ou seja, por volta de setembro - os dias podem ser de expiação.