Título: Egito busca normalização e fará eleição em setembro
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Fonte: Valor Econômico, 29/03/2011, Internacional, p. A10
Os líderes militares do Egito anunciaram que vão realizar eleições parlamentares em setembro, numa aparente concessão às facções políticas mais liberais que tinham pedido mais tempo para organizar novos partidos políticos.
O Conselho Supremo das Forças Armadas, que assumiu o poder depois da derrubada do presidente Hosni Mubarak, mês passado, anunciou a mudança numa entrevista coletiva ontem, juntamente com uma nova lei para reduzir as barreiras que permitiram ao antigo regime egípcio impedir a criação de novos partidos.
As decisões ocorrem mais de uma semana depois de a grande maioria dos egípcios votar a favor de emendas à Constituição determinando a supervisão judicial das eleições e criando limites para o mandato do presidente, entre outras mudanças.
Os egípcios apoiaram as emendas apesar de os líderes dos protestos que derrubaram Mubarak e os mais conhecidos candidatos a presidente, Amr Moussa e Mohammed ElBaradei, terem defendido a redação de uma Constituição inteiramente nova.
Muitos líderes do movimento da juventude que derrubou Mubarak disseram ter considerado o referendo uma exibição evidente de poder político islâmico. Os políticos religiosos, como os da poderosa Irmandade Muçulmana e do movimento Salafi, de linha dura, incentivaram os egípcios a votar a favor das emendas.
Reformistas seculares disseram que a campanha dos islamitas não passou de uma cínica tentativa de ganhar poder: o referendo foi visto como um meio de apressar as eleições parlamentaristas, em que apenas líderes religiosos conhecidos já estavam preparados para participar.
Mas, apesar da forte presença política antes do referendo, os principais políticos religiosos que comandam o movimento islâmico do Egito começaram a exibir esta semana sinais claros de fissuras ideológicas.
Embora a Irmandade Muçulmana já tenha sido a vanguarda tanto do movimento político islâmico quanto da oposição ao regime, os eleitores conservadores poderão agora escolher de um cardápio mais diverso de opções políticas islâmicas, que representam uma variedade mais ampla de ideologias.
Essa oficialização dos políticos islâmicos pode acabar enfraquecendo o movimento, disse Emad Gad, analista político do Centro Al Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos, apoiado pelo governo.
"Eles podem não conseguir a mesma coalizão nas próximas eleições parlamentares, porque haverá competição entre esses movimentos pelas cadeiras no Parlamento", disse Gad, acrescentando que espera que surjam pelo menos quatro partidos políticos da base de apoio da irmandade. "No fim das contas, eles podem chegar a um acordo sob a bandeira do Islã, mas quando começarem a discutir que tipo de Islão, aí podem surgir muitas, muitas facções."
No centro das diferenças que estão fragmentando a irmandade está o novo poder dos jovens partidários do movimento, cuja participação nos protestos foi essencial para a derrubada de Mubarak. Gad acredita que as próprias divisões da irmandade ajudaram o fermento político da Praça Tahrir, que ele disse ter servido para expor os jovens membros da irmandade a esquerdistas e liberais, com quem se identificaram em torno de uma causa comum.
Dezenas de jovens integrantes da Irmandade Muçulmana realizaram no sábado uma entrevista coletiva pedindo mais poder para a sua ala da organização.
No domingo, Abdel Moneim Abul Fotouh, importante integrante do Conselho de Orientação da irmandade, de caráter executivo, disse à imprensa egípcia que vai fundar um partido mais liberal, focado no desenvolvimento econômico e centrado nos principais ideais da irmandade, de piedade e justiça social.
Ibrahim Al Zafaarani, outro líder do alto escalão da irmandade que tem popularidade entre os partidários mais jovens do movimento, já tinha dito que planejava criar seu próprio partido, que ele quer chamar de "Nahda", ou "Renascimento".
A esses grupos se junta o recém-oficializado Partido Al Wasat, de orientação islâmica e centrista, bem como os grupos mais radicais que defendem a escola salafista do pensamento islâmico, amplamente praticada na Arábia Saudita. Os salafistas e o Al Wasat não são afiliados à Irmandade Muçulmana.
"O que as pessoas estão fazendo agora é como quando o pássaro sai da gaiola e começa a tentar descobrir o que é bom para ele", disse Mohamed Al Shahawy, jovem partidário da Irmandade Muçulmana que está ajudando Abdel Fotouh a criar seu novo partido. "Somos abertos, somos uma organização civil e não militar. Então tem que existir esse tipo de abertura, para trabalhar dentro e fora da [Irmandade Muçulmana]."
O Conselho de Orientação da irmandade, por sua vez, já fez críticas severas à nova concorrência. Mohammed Badie, o orientador geral da irmandade, ou seja, seu líder, anunciou este mês que os membros da irmandade só poderiam se juntar ao partido oficial da organização, o Liberdade e Justiça, cuja criação também foi anunciada este mês.
"Nenhum integrante da irmandade pode entrar em outro partido que não o Liberdade e Justiça", disse o porta-voz da irmandade, Essam El Erian.
El Erian disse que os membros que preferirem os partidos rivais criados por outros membros não enfrentarão punições ou sofrerão consequências. "Precisamos unificar nosso bloco de eleitores, porque estamos enfrentando desafios e precisamos de unidade para alcançar nossas metas", disse ele.