Título: Um novo padrão para o balanço de pagamentos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2011, Opinião, p. A10

O Banco Central (BC) detectou um novo padrão de financiamento do balanço de pagamentos, em que o investimento estrangeiro direto (IED) passa a ter um papel preponderante para a cobertura do déficit em conta corrente.

Historicamente deficitário, a não ser por um breve período de cinco anos no início deste século, o resultado em conta corrente foi em geral compensado pelo investimento estrangeiro atraído pelo elevado retorno dos juros altos e do mercado de ações brasileiro - o chamado investimento em carteira.

Foi o que aconteceu no ano passado, quando o déficit em conta corrente de US$ 47,5 bilhões foi compensado com folga pela conta de capital e financeira positiva de US$ 100,1 bilhões, que proporcionou o superávit de US$ 49,1 bilhões do balanço de pagamentos. O vistoso saldo da conta de capital e financeira foi garantido pelos US$ 64,5 bilhões dos investimentos em carteira, dirigido em partes praticamente iguais para ações e renda fixa. Os investimentos estrangeiros diretos foram menores, US$ 48,5 bilhões, mas marcaram um recorde histórico.

Nas projeções recentemente refeitas do Banco Central, o déficit em conta corrente deste ano ficará em US$ 60 bilhões, em um cenário que leva em conta resultados modestos da balança comercial, afetada pelo câmbio e pelo ritmo de recuperação internacional, e gastos elevados em serviços e viagens internacionais.

Para compensar esse déficit, o Banco Central conta que o recorde histórico da conta de investimentos estrangeiros diretos será superado, atingindo US$ 55 bilhões, US$ 10 bilhões além do estimado anteriormente. Há no mercado estimativas de até US$ 60 bilhões. Desde setembro, o IED vem crescendo e essa é uma ótima notícia porque o capital canalizado para projetos de investimento se caracteriza por uma volatilidade menor do que a dos recursos destinados ao mercado financeiro.

O fluxo de investimentos estrangeiros diretos encorpou à medida que o Brasil dava sinais de superar os efeitos da crise internacional, enquanto boa parte do resto do mundo patinava na estagnação, apoiado nas promissoras receitas das commodities e na expansão do mercado interno. Os planos de exploração do petróleo do pré-sal e os investimentos previstos para a realização no país da Copa do Mundo e da Olimpíada apenas jogam mais lenha na fogueira.

O comportamento do fluxo de investimentos estrangeiros diretos no início do ano mostra que a expectativa tem fundamento. O Banco Central acaba de divulgar que o IED somou US$ 7,7 bilhões em fevereiro, valor bem acima da média mensal de US$ 4 bilhões de 2010, inflado por uma grande operação feita por uma empresa de telecomunicações. Nos dois primeiros meses do ano, foram US$ 10,7 bilhões, 21,4% acima do déficit em conta corrente; e até a terceira semana de março, já são US$ 15 bilhões, números que certamente animaram o BC a refazer a previsão para o ano.

Confiando nesse capital mais estável, o Banco Central pôde conter a entrada de investimentos de outras fontes, mais voláteis, que estão tendo impacto negativo na apreciação cambial, na expansão do crédito e, portanto, na inflação. O primeiro passo foi a elevação do IOF para investimentos estrangeiros em renda fixa, já em outubro passado, em duas etapas, de 2% para 4% e depois para 6%. O impacto foi fulminante nos investimentos em portfólio, que somaram US$ 4,5 bilhões no primeiro bimestre, dos quais apenas cerca de US$ 400 milhões em renda fixa. Por isso, o BC cortou drasticamente a previsão de entrada de investimento de portfólio no país neste ano de US$ 40 bilhões para US$ 15 bilhões.

Agora, o governo atacou outra fonte de pressão tanto do câmbio quanto do crédito e da inflação: os empréstimos de curto prazo. Essa ação, antecipada pelo Valor, implicou a aplicação de IOF de 6% nas captações externas até 360 dias. Anteriormente, apenas as captações até 90 dias eram taxadas. Conforme o Valor apurou, empresas e bancos estavam usando os recursos captados no exterior para capital de giro, financiar fornecedores e clientes, inclusive pessoas físicas -- além de lucrar com a grande diferença entre os juros externos e os internos. Não é por outro motivo que as captações de até um ano somaram US$ 10 bilhões no primeiro bimestre.

Essa nova medida macroprudencial vai ajudar o BC a reduzir a oferta de crédito, mas também vai afetar a taxa de rolagem da dívida externa, uma das fontes de financiamento do balanço de pagamentos. Mas isso não parece problema enquanto o governo contar com os generosos investimentos estrangeiros diretos.