Título: A barganha é apenas um começo
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2011, Opinião, p. A15

Será que a região do euro sobreviverá à sua crise? Essa foi a questão que levantei há três semanas. Minha resposta foi: sim. Meu argumento era o de que a vontade política e o interesse próprio econômico se somariam para preservar a moeda comum, apesar das dificuldades.

Isso, no entanto, traz outra questão: será que os líderes fizeram o suficiente até agora para colocar a região do euro sobre uma base sólida? A resposta é: não. De fato, progressos foram obtidos. Mas será necessário mais, tanto intelectual como institucionalmente. Estou presumindo, evidentemente, que mais choques forçariam a adoção de mais reformas. Essa é minha opinião. Não é uma certeza.

O euro é um projeto único. Para países soberanos compartilharem uma moeda é preciso solidariedade e disciplina. Quanto mais diversas são as economias integrantes e quanto mais divergentes forem seus desempenhos, maior será a necessidade de solidariedade e menor será sua provável oferta. Isso ficou comprovado. Fui um dos muitos a acreditar que seriam necessárias uma união política mais forte e maior flexibilidade econômica para a região do euro sobreviver no longo prazo. Se as condições necessárias para sobrevivência seriam cumpridas, isso apenas ficaria claro em uma crise. Esta crise proporcionou o teste.

Um discurso fascinante de Lorenzo Bini Smaghi, membro do conselho executivo do Banco Central Europeu (BCE), sustenta isso. "A Europa", destaca Bini Smaghi, "está evoluindo, crescendo, continuando em sua trilha de integração. Isso não ocorre, contudo, de acordo com algum plano combinado, predefinido, mas como resposta aos desafios com os quais se depara, que em alguns casos provavelmente colocarão em risco a própria existência da União."

A atual crise é um desses desafios. Poderia ser chamada de a rota para a integração "os perigos de Pauline". É imensamente arriscada, mas pelo menos até agora, funcionou.

Como Christine Lagarde, a ministra das Finanças francesa, destacou, "precisa-se de dois para dançar tango". De fato, é preciso. O tango da região do euro é diabolicamente complicado. Mas a dança não parou. E continuará, se todos se esforçarem para que isso ocorra.

A reação à crise é um exemplo soberbo dos riscos e recompensas dessa abordagem. O choque pregou a Europa desprevenida. Alguns haviam percebido os perigos criados pelos enormes desequilíbrios internos e a concessão irresponsável de empréstimos a países periféricos. Poucos perceberam que isso poderia interagir com um desastre financeiro mundial e criar crises bancária, de competitividade e de dívidas soberanas dentro da região do euro.

Em resposta, os líderes inovaram de forma espetacular. Em um ano, havia aprovado pacote de resgate de ¿ 110 bilhões à Grécia, em cooperação com o Fundo Monetário Internacional (FMI), dotaram um novo fundo europeu de estabilização financeira de ¿ 440 bilhões, decidiram aprovar emendas ao tratado, de forma a criar um mecanismo permanente de resgate, modificaram o pacto de crescimento e estabilidade, para aperfeiçoar a disciplina fiscal, e criaram um novo sistema de supervisão macroeconômica.

A Alemanha aceitou ideias abominadas por seus cidadãos. Países em dificuldades aceitaram medidas de austeridade abominadas por seus cidadãos. Vimos muitos espernearem e ouvimos muitos reclamarem. Mas o show prossegue.

Ainda assim, mesmo com tudo o que a região do euro possa ter avançado, ainda não avançou o suficiente. Há três desafios.

Primeiro, os líderes não criaram um regime capaz de evitar e de lidar com possíveis crises.

Certamente houve consenso em áreas importantes. Uma é a intenção de monitorar e promover a competitividade, particularmente, nos mercados de trabalho. Sem mercados laborais flexíveis, tal moeda não pode funcionar. Outra é o foco na sustentabilidade fiscal de longo prazo. Também houve a decisão de legislar sobre soluções para problemas bancários. E o plano para monitorar as dívidas de bancos, famílias e empresas não financeiras. Ainda há grandes brechas, no entanto. A brecha mais importante é a pouca disposição em admitir a relação entre superávits externos dos países centrais e a fragilidade financeira na periferia. O foco continua na indisciplina fiscal, que não foi a causa das crises na Irlanda ou Espanha.

Ao mesmo tempo, a maior falha no plano para um mecanismo permanente de estabilidade para a Europa é que os recursos - um total de ¿ 500 bilhões - seriam insuficientes para administrar crises de liquidez em países maiores. Além disso, como também destacou meu colega Wolfgang Münchau, mesmo esse valor dependeria de recursos de países que podem, eles próprios, precisar de socorro.

Segundo desafio, é incerto se os países atualmente em dificuldade terão condições de escapar de suas crises a um custo político administrável. Eles mal começaram o que certamente se mostrará um processo longo e doloroso de ajuste. No momento, o acesso aos mercados financeiros é proibitivamente caro para Grécia, Irlanda e Portugal. É incerto quando ou como poderão reconquistá-los. No momento, no entanto, não há alternativa fácil a não ser encarar esse golpe. Os países em dificuldade têm grandes déficits fiscais primários estruturais (antes do pagamento de juros). Portanto, apenas uma reestruturação das dívidas não será uma panaceia. Outra questão é se os que estão com problemas poderão recuperar sua competitividade sem tornar suas dívidas denominadas em euros ainda menos administráveis. Atualmente, os países propensos a se ajustarem para sair da confusão parecem ser Irlanda e Espanha. Mas novos choques políticos e econômicos são bem prováveis.

Terceiro, a região do euro não cortou o nó górdio que liga a questão fiscal às crises financeiras. A opinião dominante, hoje, é que os credores sênior dos bancos precisam receber a devida compensação por um resgate antecipado dos títulos, enquanto os governos precisam evitar uma reestruturação de suas dívidas. Essa combinação é uma máquina para carregar os custos dos empréstimos inadimplentes passados nos contribuintes dos países cujos setores privados captaram em excesso.

Isso é, infelizmente, uma "união de transferências". Mas são transferências ocorridas há vários anos, quando esses empréstimos foram realizados. Seria útil - e honesto - por parte do governo alemão e de outros governos de países credores admitir a suas populações que estão resgatando suas próprias poupanças, sob a aparência de socorro a países periféricos. A alternativa seria dar baixa contábil nos empréstimos e recapitalizar diretamente seus bancos. Admitir esse fato, seria admitir que suas políticas foram equivocadas. Isso certamente seria útil.

Podemos ir além. Reconhecer que foram cometidos erros tanto pelos virtuosos como pelos pecadores pode ser a condição para sustentar a vontade política de fortalecer o sistema. Ainda há desafios imensos pela frente. Seria mais fácil acreditar que serão superados, se todos confessassem sua parte na confusão. Estão implicados os que concederam empréstimos tão tolamente assim como os que os receberam tão tolamente.

Como Christine Lagarde, a ministra das Finanças francesa, destacou, "precisa-se de dois para dançar tango". De fato, é preciso. O tango da região do euro é diabolicamente complicado. Mas a dança não parou. E continuará, desde que o desejo de permanecer enlaçados sobreviva.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT