Título: A estratégia gradualista do BC para derrubar a inflação
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Fonte: Valor Econômico, 05/04/2011, Opinião, p. A12
O Relatório de Inflação do primeiro trimestre, produzido pelo Banco Central (BC), consolida uma mudança de visão da política monetária, ainda muito mal recebida pelo mercado. O documento do BC oficializa os motivos pelos quais não perseguirá mais a todo custo o centro da meta de inflação de 4,5%, uma decisão corajosa e cheia de riscos, que tem precedentes. O documento do BC é cauteloso e deixa uma avenida aberta para alteração de rumos, caso as premissas das quais partiu não se concretizem. Se estiverem corretas, a inflação em dezembro de 2012 será de 4,6% e fechará 2011 em 5,6%. As curvas da evolução temporal dos preços feitas pelo mercado (Focus) e pelo BC são parecidas, embora o mercado considere uma taxa Selic de 12,5% e o BC, de 11,75%. Para atingir o centro da meta no ano gregoriano, a alta dos juros teria de ser ainda maior que 12,5%. O BC aposta que isso não é necessário.
As críticas ao suposto otimismo do BC têm relevância. Um de seus pontos principais, porém, não se refere diretamente à política monetária, embora seja essencial para que ela tenha êxito. Há fortes dúvidas de que o ajuste fiscal, depois da gastança eleitoral dos dois últimos anos da era Lula, seja de fato executado. O resultado fiscal de fevereiro, o maior para o mês em muitos anos, elevou o superávit primário para 2,89% do PIB, próximo dos 2,9% estimados pelo BC para o ano. Mas os números de fevereiro, embora positivos, não revelam tendência - nem, claro, deterioração. O relaxamento fiscal dos últimos anos precisa ser revertido e, até mais à frente, a percepção de que a presidente Dilma Rousseff não está disposta a encarar com força esse desafio continuará a pesar fortemente nas expectativas.
Distintas expectativas sobre a política fiscal originam outras divergências de diagnóstico e de soluções. O mercado vê clara inflação de demanda, que só arrefecerá com esforços mais contundentes de contenção de gastos, inclusive investimentos. O BC reconhece a parcela de inflação de demanda, embora aponte, com forte dose de razão, que o principal fator de aceleração nos preços foi o choque de commodities, especialmente agrícolas, que ainda terá impacto de 0,8 ponto percentual no IPCA em 2011, depois do 1,7 ponto percentual a mais no de 2010. Assim, para esfriar a demanda interna, o ajuste da taxa de juros terá de ser tanto maior quanto mais fraco for o resultado fiscal, na visão do mercado. O BC segue outra trilha. Acredita no esforço fiscal, os juros sobem moderadamente (já subiram) e medidas de aperto de crédito suplementam a receita de combate mais suave à inflação. Se o resultado fiscal não for atingido, o próprio BC deixa claro que mudará de atitude. Segundo o relatório, "o cenário prospectivo central está condicionado à materialização das trajetórias com as quais trabalha para variáveis fiscais e parafiscais".
Cautela semelhante é adotada em relação aos preços das commodities, "principal desafio externo". É fato que medidas heterodoxas como as do Fed americano, que estimularam a especulação a baixo custo, não estão mais no horizonte. Mas a China não desacelerará fortemente e a recuperação econômica dos EUA tomou fôlego, enquanto as incertezas no Oriente Médio não permitem contar com pressão baixista do petróleo. O BC deixa claro que há uma "influência ambígua" do cenário externo sobre a inflação doméstica e não faz apostas heroicas em estabilidade nesse front.
Para o BC, a desaceleração da economia para 4% reduzirá a pressão sobre os preços. Não há sinais claros de arrefecimento até agora, mas parece claro que novas medidas virão e que um expansão do crédito na casa dos 15% é a desejável pela autoridade monetária. "A moderação da expansão do mercado de crédito constitui elemento importante para que se concretize o cenário central", aponta o relatório.
O câmbio é um flanco vulnerável do BC. A barragem das intervenções reduz a valorização do real e seu efeito baixista sobre os preços. Em 2010 já foi assim. A contribuição do câmbio para o IPCA foi negativa em apenas 0,22 ponto percentual.
É certo que o BC anda em terreno minado e aposta sua credibilidade nisso. Logo no início do sistema de metas, o então presidente do BC Armínio Fraga mostrou que em algumas ocasiões, diante de choque de preços, os benefícios de trazer a inflação para o centro da meta não compensavam os custos para a atividade econômica. Em 2001 e 2002, até o teto da meta foi ultrapassado. Não é o caso agora, se o BC estiver certo. Mas ele terá um sério problema se errar.