Título: Mercado resiste à atuação do BC
Autor: Bittencourt, Angela ; Pinto, Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2011, Finanças, p. C1

De São Paulo

Em três meses de gestão, o Banco Central pilotado por Alexandre Tombini ainda não conseguiu ter o mercado financeiro como aliado. Apesar do discurso, aperto monetário de um ponto percentual e inúmeras medidas, os juros futuros de longo prazo insistem em subir, as expectativas de inflação tanto na pesquisa Focus quanto a implícita nos preços dos títulos públicos seguem em alta e o dólar só cai. Esse comportamento dos ativos é típico de momentos em que o mercado coloca em xeque a capacidade da autoridade monetária colocar a inflação no eixo, em direção ao centro da meta.

"A alta da inflação é um importante sinal de perda de credibilidade do Banco Central", diz o economista Carlos Eduardo Gonçalves, professor da FEA/USP. Ele explica que observando a inflação esperada em 12 meses e mais adiante - a partir de operações de swap e títulos federais mais longos - nota-se elevação simultânea dos indicadores a partir de setembro de 2010. "Isso mostra que há ruído na expectativa de que o BC combaterá choques de oferta. Numa situação normal, de confiança na atuação do BC, a inflação de curto prazo subiria, mas a de longo prazo ficaria praticamente estável. Não é isso o que está acontecendo", diz.

Gonçalves observa ainda que é difícil inferir o impacto das medidas macroprudenciais - arma complementar à alta de juros adotada pelo BC. Esse é um dos principais motivos de tanto desconforto, na opinião de muitos analistas. O ex-diretor do Banco Central e atual coordenador de estudos dos mercados emergentes da Tandem Global Partners, Paulo Viera da Cunha, reconhece que já houve outras situações de divergências entre o BC e o mercado nas quais a posição da autoridade monetária mostrou-se acertada. Só que, desta vez, os indicadores da atividade mostram que o cenário traçado pelo BC "não é o mais provável". Diante dessa percepção, o fundo dedicado a mercados emergentes da Tandem, que adminstra cerca de US$ 200 milhões, decidiu zerar suas posições no Brasil, tanto em renda fixa quanto em moedas, há quase um mês. "Até os fatos demonstrarem que a atual estratégia de política monetária não está correta, acho difícil que eles (o BC) mudem de opinião. Enquanto isso, saímos do jogo", afirma Vieira da Cunha, que revela que há "outras oportunidades" sendo aproveitadas pelo fundo no México. "Se o cenário ficar mais claro, então vamos colocar posições mais racionais", diz.

Além da "novidade" que representam as chamadas medidas macroprudenciais, analistas afirmam que o BC não tem conseguido explicá-las com clareza ao mercado. Ou seja, há falhas na comunicação. Um especialista, que prefere não ser identificado, lembra que, em 2003, quando a inflação escapava do centro da meta por causa de pressões de oferta, o BC definiu que o novo alvo a ser perseguido naquele ano seria de 5,10%. "Com isso, ficou claro qual o espaço de manobra da política monetária. Era o que o mercado esperava que o BC fizesse agora", diz.

Roberto Padovani, estrategista-chefe do WestLB para América Latina, considera grave a perda de credibilidade da política monetária e insiste que essa situação exige ação do BC. "E isso se faz com taxa de juro. A reação do BC é fundamental por pelo menos um motivo: o mercado financeiro é o principal canal de transmissão da política monetária", pondera Padovani, que vê a política monetária sofrendo contágio da falta de confiança do mercado na área fiscal.

Já Octávio de Barros, diretor do departamento de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, que não vê perda de credibilidade do BC, pondera que ao não conseguir colocar em modelos econométricos as ações macroprudenciais do BC, o mercado tem certa ansiedade. "Mas isso está longe de perda de credibilidade do BC. As macroprudenciais não estão nos modelos porque não têm histórico. Isso não quer dizer que não sejam eficientes", diz Barros, que vê o mercado com pressa. Portanto, em compasso diferente do indicado por Tombini, que vem recomendando "paciência e perseverança" e comprometendo-se a cumprir a meta de inflação de 2012. "Não há dúvida de que o BC corrigirá o rumo se perceber que a inflação não estará convergindo para a meta".