Título: Uma proposta modesta para o G-20
Autor: Ocampo, Jose Antonio
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2011, Opinião, p. A11

Em março, em encontro organizado em Pequim pela Iniciativa para o Diálogo Político (IPD, na sigla em inglês), da Columbia University, e pela Universidade Central de Economia e Finanças, da China, estudiosos e autoridades monetárias discutiram como reformar o sistema monetário internacional. Afinal, mesmo que o sistema não tenha sido a causa direta dos recentes desequilíbrios e instabilidades na economia mundial, mostrou ser ineficiente em resolvê-los.

A reforma vai, é claro, exigir discussões e deliberações extensas, mas o consenso em Pequim foi o de que o G-20 deveria adotar uma proposta modesta neste ano: uma expansão limitada do atual sistema do Fundo Monetário Internacional (FMI) de Direitos Especiais de Saque (DES). A proposta, embora de abrangência limitada, poderia desempenhar papel importante para iniciar as discussões de reformas mais profundas e ao mesmo tempo ajudar a levar a frágil economia mundial de volta à saúde e alcançar o objetivo anunciado na declaração de Pittsburgh do G-20: crescimento forte, sustentável e equilibrado.

Nossa sugestão é que o papel do DES seja ampliado por meio de novas emissões e pelo aumento de sua utilização nos empréstimos do FMI. Fazer isso incrementaria a sensata sugestão feita no encontro do G-20 em Londres, em abril 2009, de lançar DES equivalentes a US$ 250 bilhões, rapidamente colocado em prática na ocasião. O G-20 poderia sugerir que o FMI lançasse um volume significativo de DES ao longo dos próximos três anos. Sugeriríamos, por exemplo, uma emissão de 150 bilhões a 250 bilhões de DES por ano (aproximadamente de US$ 230 bilhões a US$ 390 bilhões, pelas atuais taxas cambiais).

Tal medida teria vários efeitos positivos. Primeiro, reduziria a inclinação recessiva da economia mundial, especialmente, durante crises e em suas repercussões. Muitos países continuam a acumular altos níveis de reservas preventivas, principalmente para evitar crises futuras que possam decorrer da inversão de suas contas de capital e de comércio exterior. As recentes crises financeiras ensinaram que os países com maiores reservas estão em melhores condições de lidar com as vicissitudes dos mercados financeiros internacionais.

Embora tais acúmulos de reservas ajudem a proteger os países, em certos períodos acabam reduzindo a demanda agregada mundial. Tendo em vista sua escala relativamente pequena, o lançamento anual desses DES compensaria apenas em parte essas deficiências, mas de qualquer forma ajudaria a sustentar e a acelerar uma recuperação mundial sem causar pressões inflacionárias. Além disso, ao reduzir a necessidade para que os países reservem fundos para as reservas, também facilitaria certa redução nos desequilíbrios mundiais.

Em condições ideais, a emissão adicional de DES seria acompanhada por mais medidas para aumentar sua efetividade. Por exemplo, os DES não usados dos países poderiam ser mantidos como "depósitos" pelo FMI, que o órgão poderia usar para financiar seus programas de empréstimos. Isso deveria ser visto como um primeiro passo em direção a uma integração das contas de "recursos gerais" e de "DES" em uma conta única no FMI e a um aumento do papel dos DES nas transações do FMI, de forma a que, em algum momento, tornem-se o principal- ou mesmo o único - mecanismo de financiamento do órgão. Durante uma crise declarada, os empréstimos do FMI deveriam ser financiados inteiramente por novas emissões de DES em volumes ilimitados.

Um grupo de trabalho poderia ser criado para estudar outras reformas que aprimorem ainda mais a estabilidade financeira mundial e para abordar outros objetivos financeiros e econômicos mundiais. Por exemplo, sistemas alternativos de alocação dos DES, com uma maior proporção cabendo aos países realmente solicitando as reservas (principalmente países em desenvolvimento), podem contribuir para o crescimento e estabilidade mundial. Uma vantagem dessa modesta proposta é que não prejudicaria os resultados do grupo de trabalho de reformas mais amplas, como as novas fórmulas de distribuição dos DES. A emissão de novos DES, além de contribuir para a estabilidade mundial atual, não alteraria os arranjos monetários existentes de forma significativa.

Sugerimos que a proposta seja discutida nos próximos encontros do G-20.

O G-20 mostrou sua eficiência com as reações à crise que irrompeu em 2008. A questão hoje é se, com a crise passando e as circunstâncias e perspectivas dos países divergindo, o G-20 poderá demonstrar a liderança que o mundo precisa para abordar seus atuais problemas cruciais. Deixar de tomar medidas concretas traria o risco de desilusões. Nossa proposta reafirmaria a continuidade da liderança do G-20 em assegurar maior estabilidade e crescimento sustentável na economia mundial.

Jose Antonio Ocampo é da Columbia University; Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia (2001), Columbia University et al. Copyright: Project Syndicate, 2011.