Título: Resmungando, FMI aceita controle do fluxo de capital
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2011, Opinião, p. A14
P ela primeira vez em sua história o Fundo Monetário Internacional está prestes a aceitar que países controlem o ingresso de capitais como parte de medidas para garantir seu equilíbrio macroeconômico. Depois de pregar por anos a fio a vantagem do livre fluxo de capitais, mesmo depois dos desastres causados pela crise asiática no fim dos anos 90, o Fundo abriu uma brecha em suas crenças, soterradas com a hecatombe financeira de 2008 - que não previu e muito menos preveniu. Mas a instituição não só ainda não se remodelou para os novos tempos - há reformas importantes em curso - como também não perdeu os velhos hábitos que a acompanharam por toda a vida. A boa iniciativa de ampliar o leque de medidas que pragmaticamente podem dar bons resultados, em alguns casos, como o controle de capitais, veio acompanhada da iniciativa dos países desenvolvidos que governam o Fundo da criação de um código de conduta para que esses controles possam ser feitos. Daí a instituí-lo como uma tábua de mandamentos, como eram as condicionalidades dos empréstimos, que pesavam sobre os países que recorriam ao Fundo, por mais diferentes que fossem seus problemas, pode ser um passo - que não foi dado graças aos protestos de países emergentes, como o Brasil.
Condenar a ideia de um apressado código de conduta que serviria de camisa de força para a ação dos países e daria maior poder ao FMI sobre eles é uma coisa, rejeitar recomendações úteis que possam vir do FMI é outra, bem diferente. A disputa política pode se transformar em uma batalha de Itararé, já que o artigo 6 do estatuto do Fundo estabelece que a conta de capitais é de livre administração dos países-membros. Ao que se sabe, ninguém propôs mudar o estatuto nesse sentido e se o fizesse, não seria bem-sucedido. O Fundo tenta recompor seu capital físico e intelectual e não tem condições de impor políticas indesejáveis aos países emergentes, cujo peso nas decisões da instituição aumentou recentemente e deve crescer ainda mais no futuro. Antes da crise financeira, o FMI caminhava rapidamente para a irrelevância, pois os antigos devedores desapareceram. A crise de 2008 foi mais um prego no caixão de sua credibilidade. O Fundo tenta se reerguer agora.
A mudança da rigidez de seu ideário, aos choques do contato com a realidade, faz parte da busca, pelo Fundo, do tempo perdido. A admissão da eficácia do controle de capitais é parte dessa procura e, ignorando-se as tentativas de bastidores de imposições políticas, o documento apresentado por economistas da instituição "Administrando os ingressos de capitais: que instrumentos usar?" traz uma bem fundamentada relação de análises já conhecidas e avaliações sucintas sobre a experiência recente de controle de capitais realizadas por sete países, inclusive o Brasil. Sequer a ênfase de que antes é preciso esgotar os arsenais tradicionais chega a ser uma novidade. Era óbvio que o FMI colocaria o controle de capitais como uma arma temporária de último recurso.
A receita do Fundo parte da premissa razoável e verdadeira de que o controle de capitais não é uma panaceia e não deve servir de curativos malfeitos para cobrir desequilíbrios macroeconômicos evidentes. É também sabido que o controle deve ser temporário, que é difícil administrá-lo, que os mercados frequentemente encontram formas de escapar dele e que tem contraindicações evidentes. O documento dos economistas do Fundo, ainda não chancelado como política da instituição, aponta precondições para o uso efetivo da restrição aos fluxos de capital: que a moeda já tenha se valorizado, que a posição fiscal seja consistente com o equilíbrio macroeconômico, que o volume de reservas já tenha atingido um nível adequado e que a redução das taxas de juros seja uma impossibilidade diante de uma economia aquecida. Os governos precisam antes avaliar e agir sobre todas as possibilidades.
O Brasil é alvo de uma enxurrada de capitais e técnicos do Fundo apontam que a política fiscal expansionista teve um peso no aquecimento da economia. As sucessivas elevações do IOF tiveram algum efeito, mas não duradouro. Empurraram os investidores para o mercado de derivativos, onde foram atingidos pela exigência de mais reservas compulsórias para posições vendidas feitas pelo BC - um tiro mais certeiro. O FMI discrimina a eficácia das ações do governo brasileiro - e, no fundamental, dá aval a elas.