Título: Alianças indesejadas
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 01/08/2010, Opinião, p. 19

As eleições para governador de Brasília deste ano têm contornos plebiscitários. Dois são os candidatos que podem vencê-las. Não há outras candidaturas com possibilidades de êxito. Os candidatos devem apenas se preocupar reciprocamente um com o outro, mas ambos não terão que se preocupar com os outros concorrentes. Dizendo de outra forma, no que interessa, ou o eleitor vota no candidato da aliança liderada pelo PT ou vota na aliança liderada pelo PSC. Salvo se não quiser juntar o voto ao concurso dos viáveis. Esse é o real quadro das eleições locais. O PSDB, nos últimos dias do prazo de realização das convenções, deliberou se coligar com o partido que abriga a candidatura do ex-governador da cidade. Todos os filiados da agremiação, consequentemente, por força de seus estatutos, são obrigados a respeitar a decisão tomada. Isso significa dizer que os filiados peessedebistas, por fidelidade partidária, devem votar no candidato a governador do PSC. É ficção que, na prática, nem sempre funciona.

Jamais se imaginou que os dirigentes nacionais do PSDB determinassem que tal coligação se fizesse. Deixaram de lado quaisquer escrúpulos de natureza ética relacionados com a candidatura do ex-governador e bateram o martelo. Falou mais alto o espírito pragmático do que a aliança pode proporcionar em termos de votos para o candidato tucano à Presidência da República. Contudo, a previsão até agora não se provou veraz, segundo dados de pesquisas presidenciais recentemente veiculadas. Para os artífices do arranjo, pouco importa que o candidato do PSC tenha a candidatura sub judice, podendo perdê-la durante os embates da campanha.

Pelas novas regras de inelegibilidade vigentes, é inelegível o candidato que renunciou a mandato eletivo para escapar de processo por quebra de decoro parlamentar. É exatamente essa a situação do candidato a governador pelo PSC, que renunciou ao mandato de senador, obtido nas eleições passadas, com o específico escopo de não correr o risco de perdê-lo. Incide o postulante, assim, na cláusula legal que inviabiliza o pedido de registro da candidatura.

O processo de impugnação do candidato tramita perante o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), atendendo representação formulada pelo Ministério Público do DF e por partido político, devendo a qualquer momento ser julgado. Sabe-se que a controvérsia não acabará por aí. Da decisão a ser proferida, seja qual for o resultado, deverá haver recurso para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, quiçá, daí, alcance o Supremo Tribunal Federal (STF).

Se a candidatura resistir até essa instância, a discussão deverá se circunscrever essencialmente à exata compreensão temporal de incidência do art. 16 da Constituição Federal. Vale dizer, se a nova norma em vigor pode ser imediatamente aplicada, como se está a exigir, ou se, ao revés, para ser aplicada, terá que aguardar o transcurso de um ano da data de publicação do novo texto que instituiu a inelegibilidade. Até aqui, na esfera do TSE, a questão tem sido decidida segundo a ótica de que, norma dessa espécie, produz efeitos imediatos após sua publicação. Se os precedentes existentes forem mantidos, como parece ser o caso, a Corte deverá vetar o registro da candidatura, confirmando ou não a decisão a ser proferida pelo TRE.

Os entendimentos para a concretização da parceria com o ex-governador vieram da cúpula nacional do PSDB. Hoje, todo mundo sabe que o encontro do candidato de Brasília arranjado com ex-presidente da República, em São Paulo, fartamente divulgado pela mídia, foi medida preparatória do acordo que posteriormente se verificou. O que houve, ao contrário do que deveria se esperar da tradição do partido, é que o diretório local discutisse a questão e se posicionasse acerca das alianças a serem acertadas.

Veio ordem de cima para que o diretório do partido em Brasília cumprisse a decisão superior e pusesse ponto final na pendência. Não fica bem para um partido como o PSDB, cioso dos compromissos e deveres éticos para com o país, aliar-se a um candidato cujo currículo forense exibe dezenas de processos judiciais sobre condutas nada transparentes. Se o ínclito e festejado Mário Covas, um dos fundadores do partido, fosse vivo, jamais consentiria com o cometimento do insólito ultraje.

Nunca se suporia que o candidato tucano à Presidência da República, que partilhou com Covas a fundação do partido, viesse chancelar entendimento tão moralmente indesejado como o realizado na capital. A verdade é que os fatos são agora irreversíveis. Os tucanos que vivem na cidade é que pagam o preço da aventura. Aventura que nem voto se sabe ser capaz de produzir, embora se saiba que foi o êmulo que a produziu. No final das eleições, quando os sufrágios forem contabilizados e tudo terminar, aí, sim, se verá se é ou não verdadeira a máxima de que o crime não compensa.