Título: A vez do herdeiro
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 01/08/2010, Mundo, p. 20

Juan Manuel Santos assume a Presidência pressionado entre a gratidão a Álvaro Uribe e a urgência de trilhar o próprio caminho

Depois de oito anos de um governo marcado pela luta contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Álvaro Uribe entrega no próximo sábado(1) a faixa presidencial a seu ex-ministro da Defesa, Juan Manuel Santos. Mestre em diplomacia e economista com formação nos Estados Unidos, Santos precisará colocar a teoria acadêmica em prática para reanimar a economia e fazer as pazes com os vizinhos, em especial a Venezuela. Analistas colombianos concordam que o novo presidente respeita as políticas do antecessor, mas buscará um caminho próprio. E os primeiros sinais foram dados com a escolha dos ministros.

As mudanças que Santos pretende instaurar se refletem principalmente na nomeação de ministros críticos ao governo Uribe, como o titular da Agricultura, Juan Camilo Restrepo, e o de Interior e Justiça, Germán Vargas Lleras chamado de traidor pelo atual vice-presidente, Francisco Santos, primo do futuro mandatário. Acho que Santos está dizendo reiteradamente a Uribe: eu o respeito, quero bem, vou cuidar de seu legado, mas não vou comprar suas brigas, considerou a analista política Claudia López, em entrevista a uma rádio colombiana.

Para o ex-ministro de Comércio, Indústria e Turismo Jorge Humberto Botero, Santos equilibra os sinais em relação a Uribe com as nomeações. Na quarta-feira, ele teria optado por um sinal positivo ao escolher um advogado próximo a Uribe, Rodrigo Rivera, para ser o ministro da Defesa. E, ao mesmo tempo, um sinal negativo, ao indicar Vargas Lleras, que foi seu concorrente na corrida à Casa de Nariño e criticou abertamente vários assessores de Uribe. Com essas nomeações, acendem-se uma vela para Deus e outra para o diabo, porque assumo que Uribe gostou da nomeação de Rivera e acho que não gostou da de Germán Vargas, explicou Botero ao jornal venezuelano El Universal.

Com o apoio de Uribe e as promessas de seguir a política de segurança nacional do antecessor, Santos venceu o segundo turno, em 20 de junho, com participação de mais de 9 milhões de eleitores. A última pesquisa de opinião, divulgada na sexta-feira pelo canal de TV Caracol, atestou a transferência de popularidade. Uribe fecha o segundo mandato com aprovação de 77%, acima dos 69% com que assumiu em 2002. Santos vai começar seu governo com 76%. Em parte, entendo que Uribe esteja chateado, porque deve estar se perguntando: Santos ganhou com meu prestígio político, com meu legado, e agora é um estadista independente?, avalia Claudia López.

Herança maldita Outros analistas acham compreensível que Santos tente se diferenciar e se afastar da parte maldita da herança, sobretudo a crise dos últimos dias de mandato, quando Uribe provocou um conflito diplomático com a Venezuela ao acusar Hugo Chávez de proteger guerrilheiros das Farc. Na quinta-feira, as farpas de Uribe também acertaram o presidente Luis Inácio Lula da Silva, criticado duramente por supostamente tratar o conflito como um assunto pessoal entre os dois presidentes.

Outro tema delicado diz respeito a escândalos no governo Uribe. A promotoria começou a investigar ex-diretores da polícia secreta que teriam gravado conversas privadas de juízes, políticos e jornalistas opositores a Uribe, supostamente a pedido de funcionários da Presidência. O ex-secretário de governo de Bogotá Juan Manuel Ospina concorda que a mensagem enviada por Santos é que a crise é com Uribe. Para Ospina, Uribe queria ver continuidade de sua tarefa, ao que Santos responde que manterá as grandes linhas e completará a missão, mas de maneira diferente.

Apesar de a proposta de orçamento estatal para 2011 ser 2,5% maior do que o ano anterior, totalizando 147,3 bilhões de pesos, o atual ministro do Interior, Oscar Ivan Zuluaga, prevê um ano austero para Santos. Ele anuncia que o novo presidente deve tentar diminuir os gastos públicos, que subiram 5,3% este ano, passando de 79,7 bilhões de pesos a 83,9 bilhões. Mesmo assim, Zuluaga acredita que há razões para ser otimista e pensar numa taxa de desemprego de um dígito, com um crescimento econômico de 6%. O projeto de orçamento ainda será ratificado pelo Congresso Nacional.

1 - Enviado de Obama A Casa Branca enviará o general Jim Jones, assessor de Segurança Nacional do presidente Barack Obama, para a cerimônia de posse de Juan Manuel Santos. Com a confirmação, o governo americano demonstra que deve continuar como aliado do novo mandatário colombiano, uma vez que não é comum que os EUA enviem altos funcionários para esse tipo de evento na região. No fim de junho, Obama telefonou para Santos, logo depois do resultado das eleições, para manifestar o desejo de aprofundar a sólida relação entre Estados Unidos e Colômbia em vários temas bilaterais, hemisféricos e internacionais

Vice eleito admite dialogar com as Farc

A estratégia de silêncio adotada por Juan Manuel Santos no confronto entre Álvaro Uribe e Hugo Chávez deve servir agora para ganhar tempo com mais um personagem do enredo colombiano. Na sexta-feira, o comandante máximo da guerrilha das Foras Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Alfonso Cano, propôs a Santos a abertura de um diálogo, oferta que não foi feita ao governo durante os oito anos de mandato de Uribe.

Ontem, o vice-presidente eleito, Angelino Garzón, disse que o novo governo não tem as portas fechadas para a paz. Mas estamos exigindo que a guerrilha coloque em liberdade os sequestrados sem condições e sejam capazes de reconhecer que esta guerra não tem sentido.

Cano, codinome de Guillermo León Sáenz, expôs a proposta em vídeo divulgado na internet, no qual delineia cinco pontos básicos para as conversações: o acordo Washington-Bogotá, que autoriza o uso de bases militares colombianas por tropas americanas; direitos humanos e direito internacional humanitário; propriedade fundiária; regime político; e o modelo econômico. Nós continuamos empenhados em buscar saídas políticas para a situação, disse Cano, que assumiu a chefia máxima das Farc há dois anos, depois da morte do fundador do grupo, o legendário Manuel Marulanda.

Dois comandantes responsáveis pela segurança do comando foram detidos nas últimas semanas pelas tropas colombianas, que apostam que as Farc estão encurraladas. Em uma passagem do vídeo, o líder guerrilheiro tenta desmentir essa hipótese. Nós estamos aqui, firmes, pujantes, decididos, com o moral alto, combatendo um inimigo poderoso, um adversário de 500 mil homens armados, dotados de toda a tecnologia estrangeira de ponta, com todo o dinheiro do mundo, diz Cano.

O chefe das Farc sugere que a guerrilha poderia deixar as armas pelo caminho do diálogo, das conversas, das propostas políticas, da diplomacia. Propõe que ele e Santos cheguem a um ponto de confluência que permita superar os problemas e as contradições do país. Cano ainda afirma que há 46 anos as Farc tentam encontrar saídas distintas da guerra.

Os pilares do governo

Quem são os principais ministros de Juan Manuel Santos

Defesa » Rodrigo Rivera, advogado e ex-congressista de 47 anos, tem um histórico de apoio à política de guerra total às Farc, iniciada por Uribe. Deve dar considerável autonomia aos chefes militares.

Interior » Para a pasta responsável pela polícia e pela segurança, o escolhido foi German Vargas, ex-senador que tentou rachar o bloco uribista lançando candidatura à Presidência. Parece um sinal de Santos à recomposição da maioria que sustentou o governo nos últimos oito anos.

Relações Exteriores » Maria Ángela Holguín, ao contrário dos últimos três chanceleres, chega ao cargo cacifada por respeitável experiência, que inclui a embaixada em Caracas e a representação na ONU. Antes mesmo de empossada, costurava a normalização de relações com o Equador, quando foi atropelada pela denúncia de Uribe contra a Venezuela e o rompimento de Chávez.

Fazenda » Santos encarregou o escolhido para comandar a economia, Juan Carlos Echeverri, de assumir como prioridade a normalização do comércio com a Venezuela, congelado por Chávez desde os entreveros de 2008. No ano passado, as exportações colombianas para o vizinho caíram 70%.