Título: BC entre inflação e um novo cenário externo
Autor: Bittencourt, Angela; Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 06/04/2011, Finanças, p. C3

Angela Bittencourt, Vanessa Adachi e Eduardo Campos | De São Paulo

É pequeno o espaço para os Estados Unidos mudarem sua política monetária expansionista no curto prazo, dados os sinais ainda frágeis de recuperação da atividade econômica. Mas, em 2012, é quase certo que o quadro vai mudar, trazendo impactos sobre a forte liquidez internacional e os fluxos de capitais.

O Banco Central vem dosando a taxa de juro de olho no intenso volume de capital externo que o Brasil está recebendo e na possibilidade de reversão desse cenário, que embute riscos.

O Brasil é um porto seguro para os investidores, mas o fluxo de capital não traz só benefícios ao país. Tem efeito inflacionário. Por mais que esterilize esses recursos com emissão de títulos, o BC vê parte dos recursos externos vazar para a economia doméstica e impulsionar a demanda e o crédito. Esses efeitos levam o BC a, por um lado, ajustar mais gradualmente a taxa de juro para não atrair ainda maior volume de capital e, de outro lado, a atuar no câmbio buscando suavizar a trajetória de valorização do real - não para impedir a queda do dólar, mas para que ela não seja vertiginosa, que ocorra em degraus. Há 12 meses, a taxa de câmbio estava no patamar de R$ 1,76; recuou a R$ 1,66; e agora ameaça o suporte de R$ 1,60.

As reservas cambiais continuam crescendo, mas têm mantido a proporção de 15% do PIB brasileiro nos últimos anos. Por ora, não preocupam. Só lá na frente, quando começarem a entrar no país os dólares do pré-sal, terá que ser eleito um outro veículo para absorver essas divisas. Por sua natureza, o BC tem que privilegiar segurança e liquidez em suas aplicações, em detrimento de rentabilidade, o que amplia o custo de carregamento das reservas (por diferencial de juros). Um fundo soberano, por outro lado, poderia buscar retornos maiores, já que a liquidez não seria uma prioridade.

O BC está lidando com um cenário complexo em que prevalece a abundância de capital e, por tabela, crédito expandido. Mas a possibilidade de uma guinada - como a que ocorreu em 2008 na crise - não é descartada.

O BC tem sido criticado por uma suposta leniência com a inflação e por trabalhar com hipóteses otimistas demais. Mas a autoridade monetária tem mais cartas na manga e está disposta a usá-las. Essas cartas são mais taxa de juros. A ideia de que o ciclo de aperto monetário será concluído em abril não necessariamente se confirmará. O BC vai ajustar sua política na medida do necessário para ancorar a inflação no centro da meta em 2012. Neste ano, o BC pretende trazer a inflação o mais próximo possível do centro da meta. Mas, para trazer a inflação exatamente para 4,5% em 2011, seria necessária uma dura retração da economia, forte o suficiente para levar a inflação para a casa de 0,22% ao mês pelos próximos nove meses. Uma freada tão radical que nenhum BC independente faria em lugar algum do mundo.

As medidas macroprudenciais adotadas em dezembro - aumento de compulsório e maior requerimento de capital para financiamentos mais longos - ainda estão sendo processadas pelo mercado. Não mostraram todo o seu efeito. E o BC segue atento à taxa de expansão do crédito - na ordem de 10% a 15% em 12 meses -, o que também justifica a tributação de 6% de IOF sobre captações externas de até um ano. Essa medida, que encarece a captação de bancos e empresas, tem relação direta com a questão prudencial. Se a taxa de crescimento da economia brasileira vai desacelerar de 7,5% em 2010 para 4% neste ano, é importante tirar o pé do acelerador do crédito, sob pena de se criar uma crise de inadimplência lá na frente.

O mercado está cético quanto ao cumprimento da meta de superávit primário, mas o BC tem evidências concretas de que o superávit será feito pelo governo. Os dados de março mostrarão outro bom resultado fiscal. As indicações são de que o superávit primário de R$ 117 bilhões previsto para este ano é factível e provável.

O BC está convencido de que vai fazer a sua parte no combate à inflação. Já existem indicadores de desaceleração da atividade e de inflação mensal rodando em patamar compatível com o centro da meta de 4,5%, que deve ser confirmada para 2012 na reunião do Conselho Monetário Nacional em junho. É improvável que o ano-calendário seja alterado como especula uma corrente do mercado. O calendário gregoriano (janeiro a dezembro) vem funcionando e mudança dessa natureza não faz diferença na gestão da política monetária.

O Brasil não está sozinho na batalha contra a inflação. As pressões inflacionárias decorrentes da alta prolongada das commodities agrícolas são agravadas, há semanas, pelo repique do preço do petróleo. Por essa razão, a atenção dos mercados estará concentrada, amanhã, nas reuniões do BCE e Banco da Inglaterra. O BCE manifestou intenção de subir o juro.

A despeito do esforço do BC, o Brasil poderá seguir, neste ano, um bloco congestionado de países que deverão fechar 2011 com inflação acima da taxa máxima de tolerância do regime de metas. Seis bancos centrais já trabalham com projeções superiores a essa marca: BCE, Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália, Turquia e Chile. No mundo, de 21 países que seguem o regime de metas de inflação, apenas dois estão com a inflação na meta: Noruega e Suíça.

O BC do Brasil contempla inflação de 5,6% para este ano, mas está disposto a arrastar essa variação para algo menor. Não desistiu, portanto, de cumprir o seu principal mandato que é manter a estabilidade de preços. A projeção de inflação de 5,6% é cerca de 1 ponto percentual inferior ao teto da banda do regime brasileiro. As projeções de mercado, listadas na pesquisa Focus divulgada na segunda-feira pelo BC, aproximam-se rapidamente, contudo, do teto da banda, que é de 6,5%.

O mercado prevê 6,02% para a inflação deste ano, confirmando a quarta semana de alta consecutiva da projeção mediana de cerca de 100 contribuidores da pesquisa Focus. Mas para o grupo Top 5 - instituições com maior acerto na pesquisa do BC -, a inflação oficial esperada é ainda mais salgada e já está plantada no patamar de 6,4%. Aproximando-se, portanto, do teto da banda de tolerância do regime de metas no Brasil, de 6,5%.

A inflação de 2012 pode chegar a 5%, mostra a Focus. E essa projeção vem de todos os segmentos participantes da pesquisa. Além da mediana do mercado, 5% também é inflação apontada, para 2012, na mediana de curto prazo do grupo Top 5. A projeção de médio prazo desse grupo para a inflação em 2012 está, pela segunda semana seguida, em 5,18%.