Título: Testes em humanos têm ressalvas
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 01/08/2010, Mundo, p. 22
Especialistas aprovam decisão dos EUA de liberar nova fase da pesquisa, mas alertam para eventuais complicações
Até o fim do ano, pacientes com lesão medular começarão o primeiro estudo clínico com células-tronco embrionárias. A Agência de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) autorizou a realização dos testes na última sexta-feira. Especialistas comemoraram a aprovação da pesquisa, que será comandada pelo grupo Geron Corporation, mas não deixaram de fazer algumas ressalvas. O estudo poderá comprovar a eficácia desse tipo de tratamento, embora o método não permita a comparação entre a melhora eventualmente alcançada com as células-tronco e a que poderia ser obtida naturalmente pelo organismo do paciente.
Isso porque as células embrionárias serão aplicadas no intervalo entre sete e 14 dias após a lesão. O problema é que, quando temos um trauma recente, nunca vamos saber o quanto a pessoa se recuperou por causa do tratamento e o quanto a melhora foi natural, aponta a professora da Universidade de São Paulo (USP) Mayana Zatz, uma das principais pesquisadoras de células-tronco no país. Sete centros médicos norte-americanos estão cadastrados para participar do experimento (veja quadro).
O estudo já havia sido aprovado pelo presidente Barack Obama em janeiro de 2009, assim que assumiu o cargo. Meses depois, a FDA suspendeu a autorização porque alguns modelos animais do estudo pré-clínico apresentaram cistos na região da medula após a aplicação das células embrionárias. Esse é, inclusive, um dos principais riscos que os pacientes dessa nova fase do estudo podem correr.
Há a possibilidade de que essas células se multipliquem de uma forma não esperada no organismo e, então, surjam tumores nos pacientes, explica a também professora da USP Lygia da Veiga Pereira. As células embrionárias também podem acabar sendo rejeitadas pelo corpo do paciente, mas, nesse caso, basta retirá-las, sem maiores complicações.
Ontem, alguns especialistas ouvidos por jornais internacionais criticaram a realização do estudo em humanos. Eles apontaram que a pesquisa deveria ter mais testes em modelos animais para, só então, ser levada à espécie humana. Para as duas principais geneticistas brasileiras, porém, não há motivo para alarme, pois a empresa responsável pelo estudo realizou os procedimentos de segurança necessários. Chega um ponto em que o cientista já fez todos os testes possíveis em animais e isso não quer dizer, necessariamente, que dará certo em humanos. É algo que a gente não tem como saber, afirma Mayana Zatz.
A colega Lygia Pereira lembra que o risco de tumores foi minimizado com a realização de uma série de testes nos ratos que haviam apresentado cistos no ano passado. A Geron Corporation se comprometeu a acompanhar os participantes do estudo durante os próximos 15 anos. Nas próximas etapas, a empresa tentará conseguir autorização para aumentar a quantidade de células-tronco injetadas no organismo e verificar outros avanços no tratamento da lesão. Eles, provavelmente, também tentarão aumentar o tamanho da amostra para dar mais subsídios ao estudo, diz a professora Mayana.
Mais uma esperança
Pela primeira vez, células-tronco embrionárias serão injetadas em seres humanos com lesões na medula. Veja como a primeira empresa autorizada pretende realizar o estudo:
# A pesquisa será feira com oito a 10 pacientes, selecionados em um dos sete centros médicos dos Estados Unidos cadastrados para participar do experimento. Os voluntários devem ter tido lesões entre os segmentos T3 e T10 da coluna
# A aplicação das células-tronco precisa ocorrer no intervalo entre sete e 14 dias após a lesão. Com o trauma recente, as chances de as células embrionárias aderirem ao tecido são maiores.
# Os primeiros testes devem durar dois anos, com cada paciente sendo acompanhado por um ano. A empresa responsável pela pesquisa, entretanto, pretende monitorar os voluntários por cerca de 15 anos.
# No período, a ideia é avaliar outros aspectos da lesão, como o controle neuromuscular e a sensação no tronco e nos membros inferiores. No futuro, o grupo também quer testar o método em pacientes que sofrem de doenças como o Alzheimer e a esclerose múltipla.