Título: Mercosul completa os seus 20 anos sem comemorações
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2011, Opinião, p. A14
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) completou 20 anos no fim de março sem maiores comemorações. Objetivos frustrados e um desempenho abaixo do esperado parecem ter sido os motivos da ausência de festejos.
O comércio entre os quatro países fundadores do Mercosul - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - cresceu dez vezes desde a criação do bloco, em 1991, de US$ 4,5 bilhões para US$ 45 bilhões. As transações do Brasil com seus parceiros aumentou na mesma proporção, de US$ 2,3 bilhões para US$ 23 bilhões. No entanto, a participação desses negócios no intercâmbio total brasileiro diminuiu de 14% no fim da década de 90 para 11% agora. Isso explica em boa parte uma certa falta de entusiasmo com o Mercosul nos dias de hoje.
Inspirado na experiência da União Europeia, o Mercosul nasceu com a ambição de promover a livre circulação de mercadorias, pessoas e serviços, integrar infraestruturas e potencializar as forças individuais. Na época, os países do Mercosul viviam uma fase de abertura econômica, liderada pelos presidentes Carlos Menem, na Argentina; Fernando Collor, no Brasil; Andrés Rodríguez, no Paraguai; e Luís Alberto Lacalle, no Uruguai. O plano era começar como uma área de livre comércio e evoluir para uma união aduaneira, com coordenação de políticas macroeconômicas e, talvez, até um regime monetário comum.
Os primeiros anos do Mercosul foram sua fase de ouro. O comércio regional cresceu e o bloco ganhou prestígio, negociando em conjunto com grandes parceiros como os Estados Unidos e a União Europeia. Multinacionais investiram em países do grupo, de olho no novo mercado regional.
No fim da década de 90, porém, veio a crise cambial brasileira, que obrigou o governo a desvalorizar o real. O impacto foi fulminante na Argentina, que, já há alguns anos, mantinha seu Plano de Conversibilidade à custa de muito artificialismo. A livre conversibilidade teve que ser abandonada, em 2001, o peso foi desvalorizado, a dívida explodiu, a inflação disparou e a Argentina entrou em um longo período de isolamento, sem acesso ao crédito internacional. O Brasil caminhava em sentido contrário. Depois da turbulência na transição do governo Fernando Henrique para o de Lula, o país entrou em um caminho de expansão interna e externa. Conquistou novos mercados, surfando a onda das commodities; e ganhou papel de protagonista em outros fóruns como o grupo dos Bric, ao lado da China, Índia e Rússia.
O Mercosul perdeu sua importância relativa e, para isso, muito contribuiu a postura protecionista da Argentina, que impôs barreiras a vários produtos dos parceiros, como bens de capital, e exceções à tarifa externa comum (TEC). Mas não ficou parado. Houve avanços com a criação do Código Aduaneiro Comum, que será implantado em fases a partir de janeiro de 2012 e deve eliminar a dupla cobrança da TEC, progresso na integração energética, livre trânsito de pessoas e facilidades para o trabalho.
A política externa do governo Lula, favorável à América Latina, contribuiu para atrair novos parceiros como membros associados - Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e a controvertida Venezuela. A Venezuela deseja ser um membro pleno, pleito já aprovado pela Argentina, Brasil e Uruguai, mas há dois anos em discussão pelo Congresso paraguaio, que não ratifica a adesão alegando a cláusula do Tratado de Assunção, que exclui a presença de membros autoritários no bloco.
O Mercosul também selou acordos com países de fora da região, como Israel; e tratados de preferência com África do Sul e Índia, por exemplo. De importante mesmo na mesa está um acordo acalentado há anos com a UE. A Dinamarca vai assumir a presidência rotativa da União Europeia em 2012 e pretende selar a negociação com o Mercosul no primeiro semestre.
Mas há dificuldades importantes à vista. Uma delas é a tradicional resistência europeia na área de produtos agrícolas, que são um dos pontos fortes do Mercosul. A outra é mais recente, a crise internacional, que acentuou o protecionismo europeu nessa área.
O Brasil já não depende tanto dos vizinhos do Mercosul como há 20 anos e certamente assumiu posição no mundo bem mais relevante do que tinha naquela época. Mas não pode deixar para trás os vizinhos. Como disse o conselheiro internacional de Lula e também de Dilma, Marco Aurélio Garcia, "o Brasil não deve ser uma ilha de prosperidade em um mar de miseráveis".