Título: Governança nas empresas brasileiras globais
Autor: Lacerda, Guilherme ; Arraes, Jorge
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2011, Opinião, p. A14

Volta e meia vem à tona na imprensa o tema da governança corporativa de empresas estratégicas nacionais, muitas delas privatizadas (de forma açodada) em meados dos anos 90.

Em muitas das empresas globais aqui sediadas há a presença de investidores controladores vinculados ou próximos ao governo federal (caso do BNDES e fundos de pensão).

Praticamente em todos os países desenvolvidos e nos emergentes há grupos econômicos nacionais fortes com financiamento ou participação acionária de fundos estatais ou corporativos. Essas empresas estratégicas atuam focadas em satisfazer as expectativas dos investidores, mas também estão afinadas com as diretrizes maiores definidas nos planos de desenvolvimento nacionais; incluem-se nesse caso, empresas dos setores de logística, telecomunicações, mineração, transportes, entre outros.

Aqui, a presença de tais investidores institucionais é vista, muitas vezes, de forma míope, especialmente quando se trata da gestão empresarial. É legítimo que acionistas controladores tenham papel ativo na gestão e na definição de planos de médio e longo prazo das empresas investidas; nessa tarefa inclui-se a avaliação e definição de gestores de cada uma delas. É assim no mundo inteiro.

Esses investidores são importantes apenas quando são procurados para viabilizar recursos necessários a grandes projetos? Em seguida eles devem apenas assistir ao que acontece em empresas com volumes imensos de fundos corporativos ou públicos?

Tais críticas embutem um preconceito contra posturas pró-ativas de conselhos de administração, "locus" apropriado para a definição do planejamento das empresas. Uma exemplar administração corporativa de uma empresa inserida em mercados mundiais não pode ser uma companhia de uma personalidade só, nem de um grupo restrito de dirigentes. Empresas modernas aferem seus planos em instâncias corporativas apropriadas, têm metas a bater, são ágeis e transparentes em suas execuções, mas estão alicerçadas na saudável diversidade de visões dos acionistas controladores e sem prejuízo aos minoritários ("shareholders"). Ademais, empresas globais precisam ter alto zelo com os atores sociais envolvidos com a vida e o futuro da companhia e do seu entorno ("stakeholders").

Essas práticas fortalecem a empresa e asseguram rentabilidade sustentada não apenas no curto prazo como também num horizonte mais largo, valorizando os interesses dos acionistas que priorizam a empresa como geradora de dividendos.

Os fundos de pensão brasileiros, como investidores institucionais, não atuam no mercado com posições frenéticas de comprar e vender. Eles têm dado uma grande contribuição para o aprimoramento do ambiente regulatório corporativo e para o fortalecimento de padrões salutares de governança, a exemplo do que acontece nos países com estruturas empresariais em estágios mais avançados. Os aprimoramentos levados às empresas as tem valorizado muito, como reconhecem empresários diretamente envolvidos com tais parcerias.

A propósito, vale a pena irmos a Warren Buffett, investidor famoso por gerir empresas e não por apostar em sofisticações do mercado financeiro mundial. Buffett enfatiza, em muitos dos seus discursos e manifestações, o relevante papel do executivo atuando com desenvoltura e competência, mas sempre subordinado às orientações dos controladores da empresa.

A relevância do CEO de uma empresa global precisa ter destaque especial; ele é o número um da empresa, aquele de maior referência no projeto e no desafio de vencer obstáculos. Sua liderança precisa estar encaixada em uma adequada interlocução com todas as instâncias de governança empresarial. É certo que o grau de proeminência do líder corporativo de uma companhia depende de vários fatores que se entrecruzam: a origem do capital predominante, a composição do grupo controlador, o perfil do próprio conselho e de seu presidente e a postura e estilo do CEO, dentre outros.

A Lei 6.404/76 não deixa dúvidas da responsabilidade dos administradores e os qualifica bem no conjunto dos membros dos conselhos (de administração e fiscal) e diretoria. Nesses termos, as decisões de alta gestão nas organizações empresariais têm que ser deliberadas, de maneira colegiada, primeiro pela diretoria e, em seguida, com apreciação pelo conselho de administração, respeitando alçadas e decisões orçamentárias. Grandes aquisições e investimentos relevantes que numa aferição eminentemente executiva podem ser muito atraentes, precisam passar pelo crivo de administradores que "olhem a floresta e não apenas as árvores".

A governança corporativa das empresas brasileiras passa por uma fase excepcional, fruto da ação de muitas empresas, lideranças e órgãos, com destaque para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Bovespa, em estreita parceria com entidades corporativas.

Muitas das empresas nacionais entenderam o valor de irem para o "novo mercado" e estabelecerem de fato uma política de governança séria e moderna; outras são mais resistentes. Mas não restam dúvidas de que a boa prática de governança tem valor. Senão vejamos: o Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada (IGC) tem por objetivo medir o desempenho de uma carteira teórica composta por ações de empresas que apresentem bons níveis de governança corporativa. Tais empresas devem ser negociadas no Novo Mercado ou estar classificadas nos Níveis 1 ou 2 da BM&FBovespa. O IGC foi criado em junho de 2001 e desde então apresentou uma rentabilidade de 660%, contra uma rentabilidade de 380% do Ibovespa no período.

Em suma, as boas práticas de governança valorizam as empresas, pois são implantadas em ambientes transparentes e com sólidos padrões ético-empresariais. Lamentavelmente há ainda executivos que resistem a este novo tempo e atuam como se as empresas fossem corporações que apenas precisam maximizar resultados no curto prazo, cumprindo metas ousadas e apropriando-se de excepcionais planos de bonificação.

Portanto, está na hora de baixar as armas; olhar um pouco para a realidade econômica mundial e ver que certos paradigmas vetustos de governança não podem ser mais aceitos. O somatório de êxitos de curto prazo não é suficiente para o fortalecimento institucional e estratégico de uma empresa global no longo prazo, mesmo quando, com uma conjuntura favorável e excelência interna, ela tenha sido uma formidável geradora de resultados.

Guilherme Lacerda doutor em Economia pela Unicamp, é presidente da Fundação dos Economiários Federais -(Funcef).

Jorge Arraes é engenheiro e ex-diretor de participações da Funcef