Título: A mineira Extrema cresce à sombra de São Paulo
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2011, Especial, p. A16
De Extrema "Se é bom morar aqui? Olha só para isso. É só respirar esse ar, ver essa vista", diz Sergio Benedito Moreira, técnico em segurança do trabalho. Ele respira fundo e aponta para os montes repletos de verde ao redor da obra que supervisiona, num distrito industrial encravado entre as montanhas de Extrema. Moreira mudou-se para Extrema há seis meses. Veio para ficar, com a mulher e duas filhas, contratado pela construtora responsável por levantar um galpão para uma nova empresa que deve chegar à cidade. Apesar de estar há pouco tempo morando no município, Moreira conhece bem a região. É natural de Cambuí, outra cidade do sul de Minas, a cerca de 50 quilômetros de distância de Extrema.
O técnico em segurança do trabalhou morou 14 anos em cidades mais distantes, principalmente no interior de São Paulo. Por último, passou por Itatiba. Somente agora, porém, conseguiu voltar para o sul de Minas, onde está ainda a maior parte de sua família. A demanda local por mão de obra especializada ligada à construção civil e a experiência trazida de longe de casa lhe permitiu, segundo ele, manter o salário que tinha ao voltar para perto da região onde nasceu. "A cidade está vivendo um momento bom", diz.
Moreira é uma das pessoas entusiasmadas com o crescimento de Extrema, município no sul de Minas, a apenas 107 quilômetros da capital paulista. É a primeira cidade mineira a que se chega após deixar para trás o limite do Estado de São Paulo pela rodovia Fernão Dias, sentido Belo Horizonte.
A boa localização aliada a incentivos fiscais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) concedidos pelo governo mineiro, além de incentivos do próprio município, tem atraído indústrias para a cidade. De 2000 até hoje o número de indústrias saltou de 60 para 104. A evolução do valor adicionado no município proporcionado pela chegada das indústrias fez a receita da prefeitura saltar de R$ 18,2 milhões em 2002 para R$ 71,3 milhões no ano passado.
O salto na receita ainda não leva em consideração os resultados de empresas que se instalaram nos últimos dois anos, quando a cidade ganhou investimentos de importantes indústrias alimentícias. Entre elas, a fábrica da Kopenhagen, capaz de produzir 3,5 mil toneladas de chocolate ao ano e a Barry Callebaut, que faz a matéria-prima para a industrialização do chocolate, com capacidade de produção de 20 mil toneladas anuais direcionadas ao mercado brasileiro e à exportação para países do Mercosul. A Pandurata, fabricante da marca Bauducco, também ampliou no período sua linha de produção. Além dos biscoitos, que já fabricava no local, a indústria passou a produzir também panetones na fábrica de Extrema. As mudanças mais recentes entrarão no cálculo do valor de repasse de ICMS ao município somente em 2012.
Com as mudanças mais recentes, a receita total do município deve saltar para R$ 120 milhões no próximo ano, estima o prefeito de Extrema, Luiz Carlos Bergamin (PSDB). Ao que tudo indica, o crescimento em ritmo acelerado não deve parar tão cedo. A japonesa Panasonic anunciou este ano que a sua estreia na fabricação de refrigeradores e máquinas de lavar no Brasil será feita em Extrema, com investimento próximo a R$ 200 milhões e produção inicial de 700 mil geladeiras e 200 mil máquinas de lavar por ano.
"Nossa vantagem é ser o quintal de São Paulo sem ser São Paulo", diz o prefeito Bergamin, ao resumir os atrativos do município de Extrema. Ele refere-se à política de atração de investimentos do governo mineiro, que dá benefícios relevantes de ICMS. A Kopenhagen, por exemplo, conseguiu em Minas um incentivo que reduz em 75% o ICMS devido e transferiu para a mineira Extrema a fábrica que tinha no município de Barueri, em São Paulo. Mesmo com a mudança a indústria de chocolates ficou perto de seu grande mercado: a região metropolitana de São Paulo. "Estamos perto dos grandes centros. Num raio de 150 quilômetros temos 35 milhões de consumidores. Ampliando para 500 quilômetros, temos 70 milhões de consumidores", diz o prefeito.
Foi a estratégia de elevar o valor adicionado no município que fez a fatia de Extrema no repasse de ICMS mineiro mais que dobrar nos últimos dez anos, chegando em 2011 a 0,5%. Parcela representativa, levando em conta que o Estado de Minas possui ao todo 853 municípios.
As indústrias ganham de longe na oferta de empregos. Segundo a prefeitura, atualmente são cerca de 8,5 mil trabalhadores na indústria. O comércio emprega 2 mil pessoas e a prefeitura tem 1,1 mil funcionários. A maior dinâmica do setor industrial já resulta em novos investimentos em outros segmentos, seja de comércio ou de serviços.
Marcelo André Onisto viu o pai inaugurar o hotel São Marco há 12 anos na praça da igreja matriz da cidade. No balcão do hotel que gerencia hoje, o telefone não para de tocar. Do outro lado da linha a maioria são representantes de empresas reservando quartos para funcionários e executivos de empresas, que são o grande público do hotel. "De segunda a sexta, temos 100% de lotação."
De olho nas indústrias novas que chegam ou que ampliam produção, a família de Onisto também resolveu investir na ampliação do hotel. O São Marco, que hoje tem 44 apartamentos, deve ganhar mais 26 até o fim do ano. "O pré-moldado da nova parte já está pronto e o terreno ao lado já está disponível para nós", diz. Segundo ele, o hotel precisa apenas resolver pendências em relação a licenças de funcionamento.
Com a maior oferta de empregos trazida pela indústria, os hotéis muitas vezes servem como uma moradia transitória para o que será no futuro residência fixa na cidade. Charles Bernardes trabalhava na cidade mineira de Betim quando recebeu uma proposta para ser supervisor de desenvolvimento numa empresa de Extrema que está inaugurando uma nova linha de ar-condicionado para automóveis.
Bernardes está há cerca de um mês "morando" no hotel São Marco, mas já procura casa para alugar. "Aqui há salário, boas condições de trabalho e qualidade de vida. É um local sossegado, ao mesmo tempo em que está próximo a grandes centros como São Paulo."
Bernardes deverá contribuir para a tendência de aumento da população em ritmo acima da média do país e de Minas. Em todo o Estado, Extrema foi o sétimo município que mais cresceu. Segundo o Censo de 2010, a população do município chegou a 28.227 no ano passado, elevação de 46,9% da população na última década. No mesmo período a população brasileira cresceu 12,3%. A de Minas, 9,5%.
O crescimento da população trouxe maior procura por casas. Extrema tem hoje 32 imobiliárias. Em 2005, eram apenas seis. Paralelamente houve a valorização de imóveis. O prefeito Bergamin dá como exemplo os terrenos do Bairro Fonte Nova, onde funciona desde 2009 o novo prédio da prefeitura. "Em 2002 o metro quadrado da região custava R$ 15. Hoje está em R$ 250."
Com população maior, aumentou o número de usuários de serviços. Mauro Moreira, nascido em Extrema, é taxista no município há quase 20 anos e foi somente no ano passado que ele conseguiu comprar um carro zero para trabalhar. Ele conta que a vinda das empresas e o crescimento do número de trabalhadores fez crescer o volume de corridas. Mas veio junto o aumento do número taxistas. Em cinco anos, calcula, o número de carros de praça com cadastro regular subiu de 20 para 30. "As pessoas veem a gente com carro novo e vão crescendo os olhos. Eles acham que as corridas estão dando muito dinheiro."
O forte crescimento da cidade traz junto preocupações sociais. Bergamin diz que quer um crescimento ordenado e sustentado do município. Para isso, a prefeitura busca incentivar as empresas a contratar profissionais da cidade ou de cidades ao redor, como Toledo, Cambuí, Camanducaia e Bragança Paulista. Mas não é possível fechar a cidade e barrar a troca de informações entre os trabalhadores.
O missionário Marcelo de Oliveira coordena as atividades extra-classe a crianças em situação de risco em uma das áreas rurais de Extrema na Associação Espaço Vida. As atividades com crianças entre seis e 11 anos iniciaram-se em parceria com a prefeitura há cerca de quatro anos. "Começamos com 13 crianças. Hoje temos 60", diz. A maior parte delas, explica, são de famílias imigrantes de várias regiões do Nordeste.
Novas famílias chegam ao município praticamente todas as semanas, diz. O fenômeno acentuou-se nos últimos dois anos. "Às vezes eles chegam de ônibus. Às vezes de caminhão", conta. "Há cerca de 15 dias recebemos uma família de oito pessoas vindas de Pernambuco e estamos buscando soluções para acomodá-los." Oliveira explica que a oferta de emprego na cidade é grande. O problema é que quase sempre os imigrantes nordestinos não possuem qualificação suficiente. "Eles ouvem um parente ou amigo falar da cidade e vêm na busca de melhoria de vida", diz o missionário, revelando o desafio de crescer dando oportunidade a todos.