Título: Nada de novo em mais uma visita oficial à China
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Fonte: Valor Econômico, 14/04/2011, Opinião, p. A14
A China dedicou uma atenção à presidente brasileira Dilma Rousseff igual à que merecem grandes fornecedores e clientes de sua gigantesca máquina de produção. O governo chinês ouviu apelos para que o país adquirisse produtos de maior valor agregado brasileiros e deu respostas protocolares, como a do comunicado conjunto que indica "a necessidade de intensificar o diálogo.... sobre a diversificação do comércio bilateral". A missão brasileira arrancou uma de suas maiores promessas de investimentos, de US$ 12 bilhões, não de uma empresa chinesa, mas de Taiwan, a Hon Hai, e aportes das chinesas Huawei e ZTE, que operam no Brasil.
A parte política pode ter dado alguma esperança à diplomacia brasileira, embora nada garanta. Assim como o presidente americano Barack Obama manifestou "apreço" pela reivindicação de o Brasil ocupar uma cadeira permanente do Conselho de Segurança da ONU, os chineses demonstraram apoio e compreensão à "aspiração" brasileira. Na questão dos direitos humanos, sobre os quais a China não aceita a menor interferência externa, os dois países estabeleceram que fortalecerão consultas bilaterais e "promoverão o intercâmbio de experiências e boas práticas". Provavelmente, haverá um fluxo de experiências de mão única, vinda do Brasil, pois a China é uma ditadura de partido único que não aceita os menores indícios de democracia em seu sistema político.
O poder econômico, político e militar chinês evoluiu muito, depois que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou seus 30 anos de casamento com a esposa, Mariza Letícia, em uma churrascaria de Pequim, em maio de 2004, durante visita oficial ao país. Lula saudou então a aurora da mudança na "geografia comercial" do planeta. Se algo mudou foi para o bem da China - seus bens, serviços e, mais recentemente, investimentos atingem todas as partes do globo. A ofensiva na África e na América Latina está bem adiantada, e há poucas coisas que desviam os chineses de seu objetivo de obter garantia de acesso a matérias-primas para seu país. As relações comerciais com o Brasil guardam a forma da velha dependência colonial: commodities em troca de bens manufaturados.
A China é um poderoso concorrente do Brasil nos mercados externos, onde tem roubado espaço, em especial nos EUA. Tornou-se uma ameaça para vastos setores industriais domésticos, com sua moeda e produtos baratos. O governo chinês não gasta um tostão que seja em nome de solidariedades abstratas. A maioria dos investimentos prometidos na viagem de Lula em 2004 não ocorreu. Em novembro de 2004, uma missão chinesa chefiada pelo presidente Hu Jintao visitou o Brasil e divergências tornaram-se explícitas. A China bloqueou cargas brasileiras com soja transgênica e pressionou o Brasil para não regulamentar salvaguardas contra seus produtos.
Até há pouco, o padrão chinês de investimento no Brasil se caracterizava por baixos aportes em projetos baratos, especialmente na Zona Franca, com larga escala de importação de componentes vindos da China e países da Ásia. A promessa da Foxconn de investir US$ 12 bilhões para a produção de displays (telas de computador e tablets) no país, que criaria 100 mil empregos, poderia indicar alguma mudança, mas deve ser vista com desconto. Empresários brasileiros apontam que o valor do investimento está superestimado.
Os chineses agora avançam rapidamente e, em 2010, foram os maiores investidores do Brasil, com grandes aquisições na área de distribuição de energia, petróleo e minério de ferro. Até agora parece pouco interessante aos chineses fabricarem algo além de bens de consumo, para atender a um mercado doméstico em franca ascensão. Boa parte da demanda brasileira é atendida por importações chinesas, favorecidas por um câmbio valorizado. O Brasil é um país caro para abrigar plataformas de exportação de manufaturados diante das que os chineses têm na Ásia.
Quanto à abertura de seu próprio mercado, é bom ser realista. O Brasil esperou anos para vender carne suína aos chineses e eles agora prometeram comprar alguma coisa de três frigoríficos brasileiros. O governo chinês não deu autorização à Embraer para fabricação de novos jatos porque rivalizava com projetos semelhantes domésticos. Segunda potência mundial, a China não tem muitos motivos para fazer algo mais que concessões cosméticas ao Brasil.