Título: O risco político da inflação
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2011, Brasil, p. A2
O governo deu sinais de que está preocupado com a piora do quadro inflacionário, mas claramente ainda subestima o impacto que uma inflação mais alta terá sobre os seus níveis de aprovação popular. No Brasil, a história tem mostrado que a popularidade do presidente responde mais à evolução dos preços do que ao comportamento do Produto Interno Bruto (PIB). Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva foram reeleitos, respectivamente, em 1998 e 2006, com a economia crescendo pouco, mas com a inflação sob controle.
A presidente Dilma Rousseff optou por estratégia arriscada. Em seu cálculo político, crescimento econômico tem um peso maior que a inflação. Ela admite ter um IPCA mais alto no primeiro ano de gestão para não ter que sacrificar muito a expansão do PIB. O problema é que, tendo crescido muito acima do potencial em 2010 (7,5%), a economia já teria que crescer menos este ano para evitar um descontrole inflacionário.
O Banco Central (BC) projeta expansão de 4% para o PIB em 2011. O mercado prevê algo um pouco menor - entre 3,5% e 3,8%. Portanto, mesmo com o BC aceitando uma inflação mais alta, a economia rodará este ano numa velocidade inferior à média dos últimos quatro anos, com a justificada exceção de 2009, quando o país passou por uma recessão por causa da crise financeira internacional.
A inflação segue pressionada. Há poucos dias, o BC achava que a variação do IPCA em 12 meses ficaria acima do teto de tolerância do regime de metas - isto é, acima de 6,5% - apenas em agosto. Ocorre que, nos 12 meses até março, chegou a 6,3%. Analistas respeitáveis do mercado, como os do Itaú Unibanco e da MCM Consultores, acreditam que, já em abril, a inflação superará os 6,5%.
Daí em diante, o IPCA ficará o resto do ano sempre acima do teto, recuando abaixo dele apenas em dezembro, para 6,33%, segundo projeção do Itaú Unibanco. Em julho, deve atingir 7% e, no mês seguinte, romper essa barreira, chegando a 7,23%. Esse patamar elevado carregará uma inércia enorme para 2012.
Todas as vezes que a inflação subiu a esses níveis desde o início do processo de estabilização da economia, em 1994, a popularidade do presidente da República caiu. As exceções, que não desmentem a regra, foram os períodos que marcaram a troca de governo e o início de uma nova aposta na estabilização. É normal que, nesses momentos, o presidente assuma o poder com grande capital político.
O brasileiro tem baixa tolerância com inflação. Antes do Plano Real, dois episódios exemplificam bem a correlação entre popularidade e carestia. Em 1986, o Plano Cruzado nocauteou a inflação e permitiu ao então partido do poder, o PMDB, eleger todos os governadores do país, com exceção do de Sergipe. Poucos dias depois do pleito, o governo lançou o Cruzado II, abortando o primeiro, e os preços voltaram a subir numa velocidade estonteante.
Em 1994, às vésperas do lançamento do Plano Real, que ocorreu em julho, Lula liderava com ampla vantagem as pesquisas de opinião da corrida presidencial. Lançado o plano, a inflação caiu de quase 2.500% para menos de 30% ao ano, fazendo com que FHC tomasse imediatamente a dianteira nas pesquisas e vencesse a disputa no primeiro turno.
Em seu primeiro mandato (1995-1999), Fernando Henrique quebrou monopólios estatais, privatizou empresas como a Vale e mudou as regras de aposentadoria do INSS. Essas reformas, ao contrário do que afirmam setores da esquerda, não foram responsáveis pela perda de apoio popular de FHC. Na verdade, o presidente se reelegeu em 1998, em primeiro turno, com crescimento zero do PIB. Seu trunfo era a inflação, que, naquele ano, caiu ao menor nível em décadas - 1,66% (ver gráfico abaixo).
A popularidade de FHC minguou, e praticamente não se recuperou mais, por causa da desvalorização do real em janeiro de 1999, movimento que levou o IPCA a quase 9%. Aquele índice fez o presidente viver o seu pior momento no poder. No ano seguinte, recuou, mas voltou a subir nos dois anos subsequentes, abrindo o caminho para Lula derrotar o candidato da situação em 2002.
Lula tomou posse em meio à forte desconfiança, mas assumiu o compromisso firme de combater a inflação a qualquer custo. E o fez. Em oito anos, sua popularidade caiu abaixo de 40% apenas durante o escândalo do mensalão. Em 2006, ele foi reeleito com o PIB crescendo abaixo de 4%. Assim como FHC, sua fortuna era a inflação baixa (3,11%, a menor de seus dois mandatos).
Dilma começou o governo com popularidade elevada (47%, segundo o Datafolha). Se a estratégia gradualista de combate à inflação não der certo, ela terá que enfrentar o problema mais adiante com uma dose mais forte de juros e contração fiscal, o que pode comprometer o desempenho do PIB também no segundo ano de mandato, quiçá, no terceiro. A depender da inflação, ela pode não vir a ter o capital político necessário para colocar a casa em ordem.
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras