Título: Agnelo frustra expectativas de mudança
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 13/04/2011, Politica, p. A11

De Brasília

Na quinta-feira, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), acordou com a certeza de que a Câmara dos Deputados aprovaria o projeto que aumenta o número de desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A proposta, porém, desagradou ao governo federal, que abortou a tentativa. Contrariado, Agnelo contatou os interlocutores do governo que confirmaram a impossibilidade da operação. A pressão continuou, desta vez por meio de telefonemas de secretários, o que chamou a atenção de governistas pela ausência de apenas um interlocutor que tivesse trabalhado antes por sua aprovação. A falta de prestígio já havia sido assinalada dias antes quando, ao chegar ao velório do ex-vice-presidente José Alencar, Agnelo despertara questionamentos na cúpula do PT e do governo federal, que, basicamente, se perguntava o que ele tem feito como governador.

Os dois episódios mostram que, embora mais de três meses já tenham se passado, a sensação é de que a volta do PT ao Palácio do Buriti ainda passa despercebida. Os hospitais continuam caóticos, com pacientes aguardando em macas nos corredores. O tradicionalmente petista Sindicato dos Professores no Distrito Federal aprovou um indicativo de greve para quarta feira. As obras tocadas pelo governo do DF estão paradas. A taxa de homicídios diminuiu 44,2% em janeiro, mas aumentou 33,3% no mês seguinte.

Isso para ficar nas três áreas beneficiadas com o repasse anual da União que praticamente dobra o Orçamento do Palácio do Buriti e a receita per capita de Brasília uma das mais vistosas do país. Em 2011, dos R$ 17,9 bilhões previstos na lei orçamentária, R$ 8,74 bilhões serão remetidos ao caixa do DF pelo governo federal. A despeito disso, segundo o "Diário Oficial", Agnelo investiu no primeiro bimestre 0,18% do previsto para o ano todo.

A justificativa oficial para o cenário é a da "herança maldita". Por onde anda, Agnelo enfatiza que recebeu o caos administrativo decorrente da crise política que fez o Buriti ser ocupado por quatro governadores em um ano. Iniciou seu mandato conjugando esse discurso com ações midiáticas. Logo após a posse, montou um gabinete de crise, decretou estado de emergência na saúde e prometeu quatro Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em cem dias. Suspendeu licitações e demitiu quase 20 mil funcionários comissionados de diversas secretarias. Também trouxe para dentro do seu governo quase todos os grupos políticos do Distrito Federal, até mesmo a oposição.

No decorrer dos dias, o efeito prático de parte dessas medidas foi inverso. Inaugurou apenas uma UPA, sendo que, para tanto, precisou deslocar profissionais de um pronto socorro próximo a ela, esvaziando-o. Descumpriu a promessa alardeada na campanha de que acumularia o cargo de governador com o de secretário da saúde. A suspensão das licitações implicou na paralisia das obras e a demissão em massa dos comissionados tornou a maioria das 31 secretarias inócuas, 11 delas criadas em janeiro. Até mesmo a tão divulgada Secretaria da Transparência não apresentou resultados, em um momento em que começam a aparecer suspeitas de irregularidades, por exemplo, contra o secretário de Justiça.

Politicamente, o governador também enfrenta dificuldades. Em uma tentativa de esvaziar a oposição, concedeu duas das 30 administrações regionais ao mesmo DEM do ex-governador José Roberto Arruda, atualmente sem partido, cujas práticas foram combatidas durante a campanha eleitoral. Concedeu todas as Pastas e estatais com recursos financeiros ao PMDB do vice Tadeu Filippelli, deixando ao PT as áreas de cunho mais social. Para piorar, fez a distribuição interna em sua legenda em desacordo com a proporcionalidade das correntes, o que gerou mais tensão. Aos tradicionais aliados à esquerda, como PPS, PSB e PDT, destinou poucos papéis.

A reclamação maior entre os integrantes do governo é que falta acesso ao governador e discussão das diretrizes do governo para que possam tocar adiante suas áreas. Foi criado, nesses cem dias de governo, um grupo fechado que tem o secretário de Governo, Paulo Tadeu, um ex-deputado distrital sem experiência administrativa e com alguma habilidade política, como seu principal representante. Integrante da esquerda do PT, Tadeu opôs-se no início à aliança com o PMDB, mas no decorrer da campanha aproximou-se de Agnelo e acabou tornando-se homem forte do governo. Acumula as secretarias e a articulação política, o que acaba fazendo com que não atenda bem nem um, nem outro. "Esse é um dos problemas desse governo. Precisa melhorar a interlocução, torná-la mais rápida, que dê mais respostas. Para marcar uma reunião é uma dificuldade", afirma o deputado federal Policarpo (PT), presidente regional do partido.

O problema é que o acúmulo de funções no Palácio e sua consequente incapacidade de atender a tudo simultaneamente fez crescer o papel do vice Tadeu Filippelli, presente na política local há mais de 20 anos. Afilhado político do ex-governador Joaquim Roriz, de quem já foi sócio, contraparente (foi casado com sua sobrinha) e secretário de Obras, sua presença incomoda os petistas desde a campanha.

"Fomos sempre inimigos viscerais. Isso aqui era a briga do vermelho com o azul. Daí o militante do PT de repente ganha o governo e vê o adversário ali do seu lado. O cara vai à loucura", afirma o deputado distrital Chico Vigilante (PT), petista histórico e responsável, junto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela migração em 2008 de Agnelo do PCdoB ao PT e por sua posterior candidatura a governador.

Ele assume o discurso da herança maldita e admite que "é evidente que os primeiros cem dias não seriam de flores". Assim como a maioria do PT, prega o enxugamento da base para se verificar, de fato, quem é governo e quem é oposição. "Até o DEM tem cargo aqui. Isso é esdrúxulo", disse, sem deixar de fazer referências aos partidos que, embora da base, atuam de forma dúbia na Câmara Legislativa. "O grande mal nosso é que a oposição também é governo", afirmou.

O poder do PMDB se dá pelo controle de seis poderosas estatais por onde passam os grandes projetos: Metrô, Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), Departamento de Estradas de Rodagem, Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB), Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), além de duas secretarias: Obras e Transportes. Na composição desses órgãos, constata-se mais uma vez a desconfiança entre as duas legendas: em todos eles os pemedebistas exigiram a presença de pelo menos um petista, como forma de evitar eventuais acusações.

Isso porque muitos petistas encaram a presença de Filippelli no governo como a manutenção das práticas do rorizismo na gestão Agnelo, as mesmas que acabaram por tirar de Arruda e o próprio Roriz.

Filippelli nega: "Trouxe pessoas que trabalharam com o Roriz mas que são ligados a mim. Quem era ligado a ele não está no governo", afirma, ao explicar que as indicações que fez foram todas de quadros técnicos altamente capacitados. Também relata seu histórico com Roriz, com quem rompeu em 2009 após tomar o partido numa acirrada disputa interna e anos sendo preterido em disputas majoritárias para atender a interesses do padrinho.

Aparentemente discordando da retórica de Agnelo da "herança maldita" -não fez qualquer menção a ela durante a entrevista- e tendo sob suas mãos os grandes investimentos do Distrito Federal, ele diz que muitos contratos estão sendo revistos por conter falhas, algumas delas já notadas pela Justiça e pelo Tribunal de Contas, o que tem adiado o andamento de algumas obras. Declara, porém, que a meta é que muitas delas saiam do papel até 2014, como o Metrô Leve de Brasília, a ampliação do Metrô, o Veículo Leve sobre Pneus, o segundo viaduto sobre o Núcleo Bandeirante e a quarta ponte sobre lago Paranoá.

Filippelli afirma que a tendência é de que os conflitos na base diminuam, uma vez que a cúpula dos dois partidos desde a consolidação da aliança está bem resolvida quanto a isso. E afirma ainda que o sucesso do governo depende da aliança. "Se essa construção não continuar evoluindo, o governo vai ter muitas dificuldades. O sucesso deste governo dependerá muito desta harmonia", afirmou. O Valor pediu entrevista ao governador Agnelo e a seu secretário de Governo, Paulo Tadeu, mas ambos recusaram-se a falar.