Título: Recuperação prossegue e FMI agora teme sobreaquecimento
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Fonte: Valor Econômico, 13/04/2011, Opinião, p. A14

Nem o terremoto no Japão, nem os conflitos no Oriente Médio e Norte da África ou aumento dos preços das commodities mudaram as previsões de continuidade da recuperação global que haviam sido feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no início do ano. No entanto, há um certo tom sombrio no novo relatório do World Economic Outlook (WEO), divulgado nesta semana, às vésperas de uma das reuniões anuais do Fundo.

Depois de ter encolhido 0,5% em 2009, a economia global reagiu e cresceu 5% em 2010. Neste ano, a expansão esperada, depois de alguma correção de rota, continua em 4,4%; e a prevista para 2012 foi mantida em 4,5%.

Mas há algumas nuvens no horizonte, dizem os economistas do FMI. Uma delas é o desequilíbrio da recuperação, com os mercados emergentes na dianteira, já beirando o sobreaquecimento; e as economias avançadas com ritmo mais lento e desemprego elevado.

O FMI manteve a previsão de janeiro de que os mercados emergentes vão crescer 6,5% neste ano e mais 6,5% em 2012, após terem avançado 7,3% em 2010. Depois dos estímulos monetários e creditícios para recuperar a economia, o principal desafio de vários países desse grupo será evitar o aquecimento exagerado, alertou o FMI. Argentina, Brasil, Índia e Indonésia estão no grupo dos mercados emergentes com maior risco, apontou o FMI, depois de avaliar os indicadores de produção, hiato do produto, emprego, inflação, contas fiscais e política monetária.

Além disso, vários desses países estão recebendo grandes fluxos de capital internacional que estão apreciando suas moedas e prejudicando a balança comercial. O FMI reconhece que uma "carga desproporcional" do reequilíbrio mundial está sendo jogada nos ombros dos mercados emergentes que, mesmo não tendo superávit em conta corrente, têm atraído capital por causa do bom desempenho de suas economias e seus mercados de capital. O grande problema é que, assim como entram rapidamente nos países, esses capitais podem sair também de uma hora para outra.

A resposta do FMI para esse problema pouco mudou e desagrada aos emergentes, inclusive o Brasil, que pretende discutir na reunião desta semana maior flexibilidade para lidar com esse capital volátil e especulativo. O economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard, repetiu na apresentação do Outlook a receita de sempre, que inclui usar as taxas de juros, ajustar as contas fiscais, acumular reservas, usar instrumentos macroprudenciais e, talvez, só então, mecanismos de controle de capital. Blanchard chegou a dizer que os emergentes não devem "resistir à apreciação cambial", que não deve ser evitada e até é desejável, "ponto-chave" na recuperação mundial. Outro economista do Fundo, Jörg Decressin, citou o Brasil como exemplo de adoção de "medidas apropriadas" para evitar a volatilidade cambial.

Mas esse não é o único problema que aflige os emergentes e também o restante do planeta. Talvez mais preocupante ainda seja a ameaça de recrudescimento da inflação, desencadeada pela disparada das commodities. A alta dos alimentos e combustíveis tem maior impacto nas economias emergentes, especialmente nos índices de preços ao consumidor.

Apesar de contar com uma disparada da inflação no Brasil neste ano, o Fundo endossa as previsões do Banco Central de que a trajetória de preços voltará ao centro da meta no próximo ano. Segundo o Outlook, a inflação brasileira chegará a 5,9% neste ano e recuará para 4,5% em 2012.

O desempenho ainda fraco das economias avançadas preocupa o FMI, que prevê para esse grupo de países um crescimento de 2,4% neste ano, uma das raras estimativas que sofreram uma correção para baixo. Anteriormente, o Fundo previa que as economias avançadas cresceriam 2,5% neste ano, depois dos 3% em 2010 e de terem encolhido 3,4% em 2009. Nesse grupo, enquanto os Estados Unidos devem ter uma expansão de 2,8% neste ano, os países da zona do euro terão só 1,6%. A receita para as economias avançadas é reduzir o déficit a médio prazo e exportar mais. A curto prazo, a expectativa é que a política monetária continue frouxa para estimular a recuperação.

Blanchard não deixou de notar que a melhoria do panorama econômico tornou os países menos propensos a cooperar e a resolver antigas questões ainda pendentes. Agora que o pior da crise ficou para trás e o medo do duplo mergulho da economia se desvaneceu, os países estão mais preocupados com suas próprias agendas, que muitas vezes não coincidem com a de seus parceiros, tornando as negociações mais difíceis.