Título: Yuan não prejudica o Brasil, diz chinês
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2011, Brasil, p. A4

De Bretton Woods Ex-membro do comitê de política monetária do Banco Popular da China, Yu Yongding afirma que faltam evidências de que o regime de câmbio chinês está levando outros países com taxas de câmbio flexíveis, como o Brasil, a sofrer uma forte pressão de valorização de suas moedas. "Não vou dizer que a teoria é ilógica", disse Yu, hoje pesquisador do Instituto de Economia Mundial e Política, em Pequim. "Mas é preciso demonstrar a casualidade específica." Nos dias que antecederam a viagem da presidente Dilma Rousseff à China, aumentaram as críticas às relações comerciais do país com a China, que para muitos reproduz o padrão histórico que o Brasil teve com economias avançadas, exportando matérias-primas e importando bens industrializados. "Está dentro do alcance do Brasil dirigir o crescimento para o setor de manufaturados, deslocar atividades dos recursos naturais para manutafurados", diz Yu. "O Brasil exporta aviões para a China."

Yu, um economista muito respeitado nos círculos internacionais devido às suas credenciais acadêmicas e sua proximidade com o governo chinês, ficou conhecido como o algoz do dólar, por ter proposto que a China reduza os seus investimentos em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Ele acha que, para o Brasil, é mau negócio seguir acumulando mais reservas para investir nesses papéis. Yu concedeu entrevista ao Valor durante conferência do Instituto para um Novo Pensamento Econômico (Inet, na sigla em inglês) no mesmo hotel que, em 1944, sediou as discussões para o acordo de Bretton Woods.

Valor: Quando a China resiste à pressão pela valorização de sua moeda em relação ao dólar, outros países com regimes de câmbio flexível, como o Brasil, acabam sendo prejudicados?

Yu Yongding: Essa é a teoria, e não vou dizer que a teoria é totalmente ilógica. Mas você precisa ter uma evidência específica que me mostre as interligações entre o sistema cambial chinês e a valorização da moeda brasileira. É preciso demonstrar uma casualidade específica. Se você falar em teoria, não posso negar, porque é algo teoricamente possível, mas a relação entre uma coisa pode ser bem fraca. Se você sustenta esse argumento, tem que mostrar as evidências. Mostre-me a casualidade.

Valor: O Brasil estaria reproduzindo com a China o padrão comercial histórico que teve com economias avançadas, exportando matérias-primas e importando bens industrializados?

Yu: O Brasil é um grande país, com uma base industrial bastante sólida. Está inteiramente dentro do alcance do Brasil dirigir o crescimento para o setor de manufaturados, deslocar atividades dos recursos naturais para manufaturados. O setor aeronáutico brasileiro é bem sucedido. O Brasil exporta aviões para a China. Se o Brasil conseguir produzir mais desse tipo de bens, poderá exportar para a China. Não há problema. A questão é diversificar as atividades econômicas. Essa é a política correta, e o Brasil deve fazer isso.

Valor: Não tem nada a ver com taxa de câmbio?

Yu: As pessoas colocam muita ênfase na importância da taxa de câmbio. Nem tudo é relacionado com taxa de câmbio. Há várias formas de ter uma indústria competitiva. Dá para usar política industrial, dá para usar política de crédito para apoiar as indústrias. Não acho que, hoje, a taxa de câmbio seja o fator mais importante.

Valor: A China tem alguma responsabilidade pelos maciços volumes de capital estrangeiros que entram no Brasil?

Yu: Definitivamente, não. As principais causas desse fluxo são a arbitragem entre taxas de juros e a expetativa dos mercados de apreciação cambial. Nos países ricos, as taxas de juros são baixas e não há grandes oportunidades de investimento, por isso é natural que eles mandem capital para economias emergentes. Não vejo qual papel a China poderia estar desempenhando nessas políticas. O Brasil precisa atrair capital para manter uma taxa de investimento mais alta que a poupança no seu país pode manter. Vocês devem evitar capitais voláteis, porque o aumento de ingressos e uma súbita parada nos fluxos vão criar instabilidade no seu país. Vocês devem administrar os fluxos de capitais de todas as formas que sejam legais dentro do sistema monetário internacional. Acho que o Brasil está fazendo a coisa certa em conter o excesso de capitais estrangeiros.

Valor: O Brasil está acumulando reservas, como a China. É algo inteligente para se fazer?

Yu: Não é bom. Vocês precisam de capitais estrangeiros para investir ou para melhorar a qualidade de vida da população. Então, o fluxo de capitais precisa estar espelhado num déficit em conta corrente. Ou seja, tomar dinheiro emprestado para comprar produtos estrangeiros. Mas se você está tomando dinheiro emprestado para comprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos, esse é um desvio. Para atrair capital, você tem que pagar juros de empréstimos ou, no caso do investimento direto, pagar dividendos no futuro aos investidores estrangeiros. Então o custo do capital é mais alto do que você ganha ao investir o dinheiro em títulos do Tesouro. Vocês não devem deixar que isso aconteça e, se está acontecendo, tem algo errado na sua política. Se suas reservas internacionais são muito pequenas, você pode atrair capital e, ao mesmo tempo, ter um superávit em conta corrente. Num estágio inicial está certo, mas você não deve levar muito adiante.

Valor: É um investimento arriscado comprar títulos americanos?

Yu: Não é muito bom, porque você vai sofrer perdas de capital. O déficit público americano é enorme. Se os Estados Unidos não conseguirem melhorar sua situação fiscal, os investidores vão demandar maior retorno e os preços dos títulos vão cair. Muita gente vai ter perdas de capital. Também porque os Estados Unidos têm um grande déficit em conta corrente, a pressão para desvalorizar o dólar também será enorme, o que representa outra perda de capital para quem investe em títulos do Tesouro americano.

Valor: Quando será possível ter algum resultado prático nas discussões para reequilíbrio das economias dentro do G-20 e no FMI?

Yu: É algo para um prazo mais longo, não dá para alcançar em dois ou três anos, acho que algo como quatro e cinco anos é mais viável. Agora, na China, temos uma apreciação real do câmbio por causa da inflação, e também porque os salários pagos aos trabalhadores estão subindo de forma acelerada, a taxas de dois dígitos por ano. Isso vai elevar os custo de produção e vai ter algum impacto no reequilíbrio das economias. A China também está promovendo políticas para desenvolver indústrias com atividades pouco especializadas e baixa tecnologia.

Valor: Há espaço para um novo acordo monetário internacional, um novo Bretton Woods?

Yu: Minha esperança é que as autoridades internacionais passem a prestar mais atenção na reforma do sistema monetário internacional. O sistema atual é cheio de falhas, tem vários problemas, especialmente o dólar como a principal moeda de reserva. Ele permite que o governo imprima dinheiro para se livrar de dificuldades, causando externalidades em outros países. Para estimular sua economia, os Estados Unidos adotaram políticas fiscal e monetária expansionistas. É o correto para o governo americano, porque eles têm que cuidar da própria economia, mas a consequência é que cria inflação nos outros países. Por que isso ocorre? Porque o dólar é a moeda de reserva internacional. Vai levar muito tempo para reformar o sistema monetário, mas podemos fazer um monte de coisas até lá, como ampliar o uso dos DES [Direitos Especiais de Saque, uma cesta de moedas do FMI].

Valor: Mas os DES não seriam apenas uma moeda de reservas internacional, sem penetração nas transações do setor privado?

Yu: Pelo menos podemos usar entre bancos centrais. Não é preciso fazer o DES uma moeda amplamente usada pelo setor privado.