Título: Nos EUA, empresas respondem por 60% das solicitações
Autor: Lyra, Paulo de Tarso ; Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2011, Especial, p. A16

De Brasília A ausência de uma lei de acesso a informações públicas no Brasil contrasta com a onda de promulgação dessas normas ao redor do mundo, na última década. Cerca de 90 países já contam com leis de acesso - só na América Latina há mais de uma dezena. Em diversas regiões, o setor privado é o principal usuário dessa legislação.

Com mecanismos legais definindo processos e prazos para que funcionários do governo respondam pedidos de informação, empresários conseguem obter dados relevantes para seus negócios, nas mais diversas áreas - contratos, concorrências, licitações, obras públicas e outros projetos.

Nos Estados Unidos, o setor empresarial é responsável por cerca de 60% dos pedidos de acesso a informações públicas feitos ao governo, segundo estudo feito pela Coalizão de Jornalistas por um Governo Aberto (Coalition of Journalists for Open Government) com 20 departamentos e agências da administração federal. Ao contrário do que se esperava, os jornalistas respondiam por apenas 6% dessas solicitações.

A situação se repete no Canadá, onde o setor privado está à frente de quase metade dos pedidos de dados ao governo. Também no México, que aprovou em 2002 uma das leis de acesso mais avançadas da América Latina, os empresários são autores de 57% dos pedidos de informações, conforme estatísticas do Instituto Federal de Acesso à Informação e Proteção de Dados.

No Brasil, enquanto projetos de lei sobre o tema tramitam no Congresso desde 2003, uma mobilização crescente da sociedade pressiona o governo a ser mais transparente. Sinal disso é a apresentação, cada vez mais frequente, de pedidos formais de acesso a informação às instituições governamentais. "Tanto dentro do poder público, como nas organizações da sociedade civil, é possível notar uma ampliação da consciência das obrigações decorrentes desse direito", afirma Paula Martins, coordenadora do capítulo brasileiro da ONG Artigo 19, que trabalha na defesa da liberdade de expressão e do acesso a informações públicas.

Devido à falta de regulamentação legal, que defina prazos e a responsabilização dos funcionários que se negarem a prestar informações, as respostas aos pedidos de acesso a dados podem vir a qualquer tempo - ou mesmo serem negadas - sem maiores consequências. Como resultado, cidadãos começam a entrar na Justiça para forçar o governo a divulgar dados.

No norte de Minas Gerais, integrantes da Associação dos Amigos de Januária (Asajan) já entraram com cerca de 15 ações judiciais para obrigar prefeituras da região a divulgar informações sobre processos licitatórios, a relação de funcionários e salários, além de documentos sobre pagamento de prestação de serviços. "Primeiro, entramos com um pedido administrativo", explica o jornalista Fábio Oliva, um dos fundadores da Asajan. "Se não conseguimos as informações, entramos na Justiça."

Tantos os pedidos administrativos como as ações judiciais têm como base o artigo 5º, inciso 33 da Constituição Federal, segundo o qual "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral". A única exceção prevista no dispositivo é a informação "cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado". Segundo Oliva, as decisões judiciais têm sido favoráveis aos cidadãos. "Através delas, conseguimos fiscalizar o poder público e descobrir irregularidades", afirma.

A experiência se repete pelo país. Em São Paulo, a ONG Ação Educativa entrou com um processo judicial para obrigar a Secretaria Municipal de Educação a publicar, em seu site, dados atualizados sobre a oferta e a demanda na rede pública de ensino. A entidade argumentou que queria acompanhar políticas públicas na área.

Também na capital paulista, o movimento Voto Consciente entrou com um mandado de segurança na Justiça para forçar a Câmara Municipal a informar seus gastos e dados sobre a presença de vereadores nas comissões permanentes.

Além de começar a movimentar cidadãos, a pauta em torno do direito de acesso a informações envolve hoje, no Brasil, principalmente associações jornalísticas - a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) é uma das principais defensoras da lei -, iniciativas de defesa da memória e a verdade sobre a ditadura militar e organizações que apoiam a transparência orçamentária, segundo Fernando Oliveira Paulino, coordenador do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.

Lançado em 2004, o fórum reúne atualmente 25 entidades, entre elas a Abraji, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Nacional de Jornais (ANJ), associações de magistrados, arquivistas, procuradores e ONGs. "Ainda temos o desafio de envolver mais os empresários, como em outros países", reconhece Paulino.